Escuto histórias e estórias
Com distintos sotaques de diferentes línguas
Quanto mais ando mais reconheço a minha própria espécie
Não preciso andar o mundo para saber-me humano
Mas quanto quisera faze-lo!
sábado, 26 de novembro de 2005
Diario de Campo 22/11/05
São 6:00 da manhã, e o friozinho do sereno me impede de deixar a rede e o saco de dormir que me cobre. Penso num monte de coisas ao mesmo tempo, as tarefas do dia, o nome do meu filho, o décimo sono no qual Marina deve estar imersa lá no México, quantos minutos mais posso dormir sem que me atrase para o meu encontro com Don Raimundo. Obviamente de tanto pensar e calcular minutos de cochilo me levanto às 6:48 num sopetão acrobático e em menos de 10 minutos estou dentro do carro esperando Don Raimundo, o “mateiro” que me ajuda aqui.
Ainda me falta tomar o café da manhã com Doña Chona, uma simpaticíssima senhora que cozinha meu café e almoço diariamente. Umas tortilhas, banana, ovo com pimenta e feijão. Infelizmente não tenho tempo de desfrutar esse café com mais calma. De qualquer forma falo algumas besteiras só pra arrancar umas gargalhadas de Dona Chona, adoro sua risada e quem não gosta de sair pra trabalhar depois de presenciar um bom sorriso. Don Raimundo é um típico mexicano do campo, baixinho barrigudo, de fala rápida mas pouca. É caçador por natureza, anda calado e atento, sobretudo anda só. A impressão que tenho é que qualquer companhia o molesta. Um dia de noite enquanto eu perdia no xadrez pra seu filho de 15 anos ele me diz:”...eu durmo aqui fora da casa muitas vezes.” Mas por que Don Raimundo se você tem uma cama e esposa? E ele me reponde seco: “O caçador é assim mesmo Felipe, está sempre só”. Talvez por isso quando andamos juntos pelo mato, fazendo trilhas, ele sai disparado na frente e quando estamos voltando pela trilha que fizemos, 1 km ou mais, ele vem atrás, bem atrás, só. É arisco mas amável ao mesmo tempo, todos os dias me convida pra jantar e faz questão que eu coma do peixe que ele pescou. Seu maior orgulho são seus filhos dois adolescentes, o menino de 15 anos é bastante bom no xadrez e em matemática e jogamos todas as tardes, quase ninguém no povoado sabe jogar xadrez e ele não me deixa passar um dia sem jogar, na maioria das vezes ele me ganha. Don Raimundo já foi imigrante, cruzou caminhando o deserto do Arizona pra trabalhar de carregador de tacos de golf para os gringos. Ele diz que foi bom, ganhou bom dinheiro “até andei de avião”. Entre ser fudido sem ganhar nada e ser fudido ganhando algo, o ser humano se fode ganhando. Voltou por motivos que ele não gosta de lembrar e eu não quis nem perguntar.
Já é hora do almoço, deixo Don Raimundo em casa pra depois vê-lo mais tarde durante as partidas de xadrez com seu filho. Dona Chona já me espera com a mesa posta no terraço de sua casa de madeira 3 por 6, um único vão. “Pásele muchacho” diz ela já sorrindo quando me vê. Uma boa comida simples e picante, bem mexicana. - Puxe assento Dona Chona e me acompanhe aqui enquanto almoço, isso se a senhora não tem muito que fazer aí claro. Duas horas depois estou saindo com o bucho cheio de comida e a alma cheia de lições de vida. Uma verdadeira terapia onde conto histórias, enquanto ela fala também das suas. Algumas gostosas risadas intercalam um cafezinho e uma lembrança. Sinto que minhas histórias parecem entretê-la muito e como eu adoro falar, pelo menos o faço pra alguém que ainda não as conhece de cor como Marina e os meus amigos mais próximos.
A tarde foi feita pra desfrutar-se, jogar xadrez, tomar banho de cuia com água fria, Don Raimundo não pára em casa a não ser que passe e ouça a resposta que quer ouvir quando nos pergunta quem está ganhando. - Seu filho está com vantagem. Puxa uma cadeira e senta pra assistir ao jogo, como não entende nada, logo se entedia com a lentidão do xadrez e se levanta outra vez. Quando anoitece toma sua espingarda e vai caçar no lado belizenho, cruzando o Rio Hondo que divide México e Belize. Não tem tido sorte ultimamente, mas pelo menos consegue pescar algo todo dia. Não depende da caça pra comer, ganha algo bem com sua lavoura de cana de açúcar e seus bicos, tem até um carro velho.
Assim termina o dia e a única coisa que sei agora é que me arrependo de todos os dias que reclamei da vida por qualquer motivo.
“Viola, furria, amor, dinheiro não.”
Ainda me falta tomar o café da manhã com Doña Chona, uma simpaticíssima senhora que cozinha meu café e almoço diariamente. Umas tortilhas, banana, ovo com pimenta e feijão. Infelizmente não tenho tempo de desfrutar esse café com mais calma. De qualquer forma falo algumas besteiras só pra arrancar umas gargalhadas de Dona Chona, adoro sua risada e quem não gosta de sair pra trabalhar depois de presenciar um bom sorriso. Don Raimundo é um típico mexicano do campo, baixinho barrigudo, de fala rápida mas pouca. É caçador por natureza, anda calado e atento, sobretudo anda só. A impressão que tenho é que qualquer companhia o molesta. Um dia de noite enquanto eu perdia no xadrez pra seu filho de 15 anos ele me diz:”...eu durmo aqui fora da casa muitas vezes.” Mas por que Don Raimundo se você tem uma cama e esposa? E ele me reponde seco: “O caçador é assim mesmo Felipe, está sempre só”. Talvez por isso quando andamos juntos pelo mato, fazendo trilhas, ele sai disparado na frente e quando estamos voltando pela trilha que fizemos, 1 km ou mais, ele vem atrás, bem atrás, só. É arisco mas amável ao mesmo tempo, todos os dias me convida pra jantar e faz questão que eu coma do peixe que ele pescou. Seu maior orgulho são seus filhos dois adolescentes, o menino de 15 anos é bastante bom no xadrez e em matemática e jogamos todas as tardes, quase ninguém no povoado sabe jogar xadrez e ele não me deixa passar um dia sem jogar, na maioria das vezes ele me ganha. Don Raimundo já foi imigrante, cruzou caminhando o deserto do Arizona pra trabalhar de carregador de tacos de golf para os gringos. Ele diz que foi bom, ganhou bom dinheiro “até andei de avião”. Entre ser fudido sem ganhar nada e ser fudido ganhando algo, o ser humano se fode ganhando. Voltou por motivos que ele não gosta de lembrar e eu não quis nem perguntar.
Já é hora do almoço, deixo Don Raimundo em casa pra depois vê-lo mais tarde durante as partidas de xadrez com seu filho. Dona Chona já me espera com a mesa posta no terraço de sua casa de madeira 3 por 6, um único vão. “Pásele muchacho” diz ela já sorrindo quando me vê. Uma boa comida simples e picante, bem mexicana. - Puxe assento Dona Chona e me acompanhe aqui enquanto almoço, isso se a senhora não tem muito que fazer aí claro. Duas horas depois estou saindo com o bucho cheio de comida e a alma cheia de lições de vida. Uma verdadeira terapia onde conto histórias, enquanto ela fala também das suas. Algumas gostosas risadas intercalam um cafezinho e uma lembrança. Sinto que minhas histórias parecem entretê-la muito e como eu adoro falar, pelo menos o faço pra alguém que ainda não as conhece de cor como Marina e os meus amigos mais próximos.
A tarde foi feita pra desfrutar-se, jogar xadrez, tomar banho de cuia com água fria, Don Raimundo não pára em casa a não ser que passe e ouça a resposta que quer ouvir quando nos pergunta quem está ganhando. - Seu filho está com vantagem. Puxa uma cadeira e senta pra assistir ao jogo, como não entende nada, logo se entedia com a lentidão do xadrez e se levanta outra vez. Quando anoitece toma sua espingarda e vai caçar no lado belizenho, cruzando o Rio Hondo que divide México e Belize. Não tem tido sorte ultimamente, mas pelo menos consegue pescar algo todo dia. Não depende da caça pra comer, ganha algo bem com sua lavoura de cana de açúcar e seus bicos, tem até um carro velho.
Assim termina o dia e a única coisa que sei agora é que me arrependo de todos os dias que reclamei da vida por qualquer motivo.
“Viola, furria, amor, dinheiro não.”
Diário de campo 18/11/05
Tu ausencia es lo más doloroso
Ni la mordida del perro de anteayer
Me causa tanto incomodo como el sin ti.
Tu recuerdo es la más desesperada esperanza.
Tu imagen es mi consuelo nocturno
Cuando me despido, con la conciencia entorpecida de trabajo
Nuestra vida, amor, es lo que inunda mis sueños.
Los sueños, esa masa espesa de pensamientos
Se hacen nubes cuando los visitas.
Ahora que traes adentro de ti, mi sueño
Que lo das forma, color, pensamiento
Es como si fueras tierra, mar y fuego.
Eres todo lo misterioso, todo lo asustador
Eres la diosa quimera, criatura y criadora.
Mi redención y mi euforia.
Ni la mordida del perro de anteayer
Me causa tanto incomodo como el sin ti.
Tu recuerdo es la más desesperada esperanza.
Tu imagen es mi consuelo nocturno
Cuando me despido, con la conciencia entorpecida de trabajo
Nuestra vida, amor, es lo que inunda mis sueños.
Los sueños, esa masa espesa de pensamientos
Se hacen nubes cuando los visitas.
Ahora que traes adentro de ti, mi sueño
Que lo das forma, color, pensamiento
Es como si fueras tierra, mar y fuego.
Eres todo lo misterioso, todo lo asustador
Eres la diosa quimera, criatura y criadora.
Mi redención y mi euforia.
segunda-feira, 14 de novembro de 2005
Tony “El Tigrero”
Na vida nos deparamos com muitos personagens marcantes, gente de outro mundo, de outros hábitos, de outras idéias. Nas minhas andanças de biólogo, tive a sorte de conhecer pessoas muito interessantes: homens do campo, homens da mata, crianças espevitadas, mulheres de olhares distantes e caçadores e suas histórias.
Tony “O Tigrero” é uma figura dessas, um homem de meia idade, que já caçou segundo suas contas: 284 onças-pintadas, umas 100 suçuaranas (onças pardas), outras dezenas de veados, porcos-do-mato, cabritos monteses da América do Norte, antílopes da África, codornas e faisões de sei lá onde mais. Um homem que dedicou toda uma vida a caçar e caçar, sempre com seus cachorros de raça black and tan. Esse sujeito hoje se dedica paradoxalmente à conservação da onça-pintada, ou tigre como dizem os mexicanos da Selva Maya do México num projeto em parceria com meu orientador da UNAM.
Seu nome é Antonio Rivera, filho de um ex-dono da filial mexicana produtora de “água preta do capitalismo”, a coca-cola. Nasceu em berço de ouro multi-milhionário segundo suas próprias palavras. Quando adolescente caçava codornas e faisões com seus cachorros como um passatempo de rico a la inglêsa que sai a caçar raposas com cavalos e cachorros. Tocava numa banda de rock do México até seus 19 anos, estudou nos EUA como todo bom filho de mexicano rico. Manejo de fauna silvestre era o nome da graduação na Universidade de Montana, alí conheceu a um monte de caçadores gringos e pegou gosto pela coisa que aos poucos passou de ser um passatempo a uma atividade constante. Como era rico, podia dedicar-se a essas “pendejadas” (idiotices) como ele diz. Dedicou tanto tempo a isso que não terminou seu curso lá na gringolândia e voltou ao México para vender caçaria de onça-pintada a gente rica que lhe pagava 10 mil dólares pra que ele possibilitasse a um comum executivo de bolsa de valores a emoção de caçar um bicho brabo desses no meio de uma floresta virgem do México.
Assim viveu por 30 anos, caçando em média 20 bichos desses por ano e tirando livres de imposto uns 200 a 300 mil dólares por ano, continuava rico caçando onça. Segundo ele de todos os bichos que ele caçou, apenas 6 morreram por disparos dele. Cinco onças quando amigos fazendeiros seus lhe pediam que ele matasse a uma gato que andava comendo bezerros nas suas terras. A única onça-pintada que ele matou por gosto foi na Bolívia, onde se sabe que como no Pantanal mato-grossense habitam as maiores onças-pintadas do mundo, uns felinos com 120 kg e toda a beleza que a evolução lhes brindou. Todos os outros animais eram mortos pelos gringos que o contratavam para acompanhar-los na floresta, procurar, perseguir e encurralar a onça com os cachorros para que os gringos dessem o tiro no bicho e posassem para fotos com os cadáveres das bestas. Em 94 se proibiu a caça de onças no México e ele já não sabia fazer outra coisa mais que caçar onça. Faliu, hoje mora numa modesta casinha alugada em Chetumal.
A única saída que encontrou para continuar “caçando” foi trabalhar para a conservação da onça-pintada na Selva Maya que abarca todo o sul do México, Belize, Guatemala, e parte de Honduras e El Salvador. Sua função no projeto de conservação do maior predador da Floresta Tropical americana vai desde a elaboração do plano inicial, contatos, procura de fontes de financiamento até a mão na massa. Na verdade a mão na massa é a sua razão nisso tudo. Ele segue caçando onças com seus cachorros e seu rifle, mas desta vez pra colocar colares de telemetria nos bichos que serviram pra estudar seu movimento dentro da floresta, estimar sua densidade e preferência de habitats. Com isso esse sujeito é feliz.
Escutar Tony O Tigrero falar de suas caçarias, de suas andanças, de seus tigres é escutar uma mãe coruja falar de seu mais genial rebento. Minha reação de biólogo ao ver as suas fotos com centenas de onças mortas foi de espanto. Mas tenho que confessar que senti um pouco de inveja dele também. Por alguns minutos enquanto folheava seus álbuns com as fotos dos cadáveres de onça e sorrisos dos gringos que as mataram, imaginei como seria estar em caçarias de onça, 3 ou 4 pessoas e uns 5 ou 6 cachorros bem treinados. Encontrar um rastro de um bicho daqueles depois de horas caminhando pela mata fechada, abrindo caminho a facão. Logo soltar os cachorros a procurá-los por mais algumas horas, correr atrás dos cães loucos e encontrar um bicho brigando e esturrando me pareceu algo emocionante. É a emoção de caçar, que naturalmente trazemos no DNA de caçadores que sempre fomos. Comecei a me lembrar de quando era pirralho e caçava passarinhos e lagartixas nas ruas do então semi-selvagem Engenho do Meio. Lembrei da emoção que sentia quando conseguia matar a um pardal, lembrei das vezes em que me acordei cedo pra ir pegar passarinho no matagal do clube da Sudene com a esperança de cair alguma patativa ou papa-capim no meu alçapão. Lembrei das malvadezas que fizemos eu e meus primos André e Fernando em Maceió quando decidimos todos os gatos da vizinhança da casa de minha tia deviam pagar porque um deles havia comido um passarinho engaiolado nosso. Construímos bodoques potentes e saímos a caçar gatos. Sem falar nas pescarias e mergulhos pra pegar qualquer peixinho minúsculo em Porto de Galinhas. Não faz 6 meses, Marina testemunhou minhas tentativas constantes e perseverantes de pescar um peixão numa prainha por onde passamos de viagem aqui no México. Dois dias inteiros e nem um peixe, mas a cada lance do anzol, minha esperança renascia. É bom demais caçar qualquer coisa. Perdão pela sinceridade, e pelo politicamente incorreto, mas caçar é realmente humano.
Tony “O Tigrero” é uma figura dessas, um homem de meia idade, que já caçou segundo suas contas: 284 onças-pintadas, umas 100 suçuaranas (onças pardas), outras dezenas de veados, porcos-do-mato, cabritos monteses da América do Norte, antílopes da África, codornas e faisões de sei lá onde mais. Um homem que dedicou toda uma vida a caçar e caçar, sempre com seus cachorros de raça black and tan. Esse sujeito hoje se dedica paradoxalmente à conservação da onça-pintada, ou tigre como dizem os mexicanos da Selva Maya do México num projeto em parceria com meu orientador da UNAM.
Seu nome é Antonio Rivera, filho de um ex-dono da filial mexicana produtora de “água preta do capitalismo”, a coca-cola. Nasceu em berço de ouro multi-milhionário segundo suas próprias palavras. Quando adolescente caçava codornas e faisões com seus cachorros como um passatempo de rico a la inglêsa que sai a caçar raposas com cavalos e cachorros. Tocava numa banda de rock do México até seus 19 anos, estudou nos EUA como todo bom filho de mexicano rico. Manejo de fauna silvestre era o nome da graduação na Universidade de Montana, alí conheceu a um monte de caçadores gringos e pegou gosto pela coisa que aos poucos passou de ser um passatempo a uma atividade constante. Como era rico, podia dedicar-se a essas “pendejadas” (idiotices) como ele diz. Dedicou tanto tempo a isso que não terminou seu curso lá na gringolândia e voltou ao México para vender caçaria de onça-pintada a gente rica que lhe pagava 10 mil dólares pra que ele possibilitasse a um comum executivo de bolsa de valores a emoção de caçar um bicho brabo desses no meio de uma floresta virgem do México.
Assim viveu por 30 anos, caçando em média 20 bichos desses por ano e tirando livres de imposto uns 200 a 300 mil dólares por ano, continuava rico caçando onça. Segundo ele de todos os bichos que ele caçou, apenas 6 morreram por disparos dele. Cinco onças quando amigos fazendeiros seus lhe pediam que ele matasse a uma gato que andava comendo bezerros nas suas terras. A única onça-pintada que ele matou por gosto foi na Bolívia, onde se sabe que como no Pantanal mato-grossense habitam as maiores onças-pintadas do mundo, uns felinos com 120 kg e toda a beleza que a evolução lhes brindou. Todos os outros animais eram mortos pelos gringos que o contratavam para acompanhar-los na floresta, procurar, perseguir e encurralar a onça com os cachorros para que os gringos dessem o tiro no bicho e posassem para fotos com os cadáveres das bestas. Em 94 se proibiu a caça de onças no México e ele já não sabia fazer outra coisa mais que caçar onça. Faliu, hoje mora numa modesta casinha alugada em Chetumal.
A única saída que encontrou para continuar “caçando” foi trabalhar para a conservação da onça-pintada na Selva Maya que abarca todo o sul do México, Belize, Guatemala, e parte de Honduras e El Salvador. Sua função no projeto de conservação do maior predador da Floresta Tropical americana vai desde a elaboração do plano inicial, contatos, procura de fontes de financiamento até a mão na massa. Na verdade a mão na massa é a sua razão nisso tudo. Ele segue caçando onças com seus cachorros e seu rifle, mas desta vez pra colocar colares de telemetria nos bichos que serviram pra estudar seu movimento dentro da floresta, estimar sua densidade e preferência de habitats. Com isso esse sujeito é feliz.
Escutar Tony O Tigrero falar de suas caçarias, de suas andanças, de seus tigres é escutar uma mãe coruja falar de seu mais genial rebento. Minha reação de biólogo ao ver as suas fotos com centenas de onças mortas foi de espanto. Mas tenho que confessar que senti um pouco de inveja dele também. Por alguns minutos enquanto folheava seus álbuns com as fotos dos cadáveres de onça e sorrisos dos gringos que as mataram, imaginei como seria estar em caçarias de onça, 3 ou 4 pessoas e uns 5 ou 6 cachorros bem treinados. Encontrar um rastro de um bicho daqueles depois de horas caminhando pela mata fechada, abrindo caminho a facão. Logo soltar os cachorros a procurá-los por mais algumas horas, correr atrás dos cães loucos e encontrar um bicho brigando e esturrando me pareceu algo emocionante. É a emoção de caçar, que naturalmente trazemos no DNA de caçadores que sempre fomos. Comecei a me lembrar de quando era pirralho e caçava passarinhos e lagartixas nas ruas do então semi-selvagem Engenho do Meio. Lembrei da emoção que sentia quando conseguia matar a um pardal, lembrei das vezes em que me acordei cedo pra ir pegar passarinho no matagal do clube da Sudene com a esperança de cair alguma patativa ou papa-capim no meu alçapão. Lembrei das malvadezas que fizemos eu e meus primos André e Fernando em Maceió quando decidimos todos os gatos da vizinhança da casa de minha tia deviam pagar porque um deles havia comido um passarinho engaiolado nosso. Construímos bodoques potentes e saímos a caçar gatos. Sem falar nas pescarias e mergulhos pra pegar qualquer peixinho minúsculo em Porto de Galinhas. Não faz 6 meses, Marina testemunhou minhas tentativas constantes e perseverantes de pescar um peixão numa prainha por onde passamos de viagem aqui no México. Dois dias inteiros e nem um peixe, mas a cada lance do anzol, minha esperança renascia. É bom demais caçar qualquer coisa. Perdão pela sinceridade, e pelo politicamente incorreto, mas caçar é realmente humano.
sábado, 12 de novembro de 2005
Diário de campo, Chetumal nov/2005
09 nov
No avião.
Outra vez estou voando. Pode parecer banal para os executivos engravatados, mas pra mim um reles mortal, segue sendo uma experiência no mínimo inspiradora. Alguém deveria tomar uma providência e patrocinar vôos para poetas, escritores ou até para os que sofrem de depressão. Voar deveria ser usado como terapia emocional. Ora, o céu já não pertence somente ao Condor e nós criaturas não-aladas podemos voar em monstros de ferro, mas podemos voar sim. Quando decolamos do México estava muito ansioso pois tinha a esperança de ver os vulcões de cima, do céu, como quando cheguei aqui. Não deu, estava bastante nublado o céu e o casal Popocatépetl e Iztaccíhuatl estavam escondidos, imersos num imenso algodoal celestial, frio e manso. Manso sim, quando o avião ascendeu sobre o que do solo parecia uma tempestade apocalíptica com céu negro e pesado se via um extenso e suave campo branco. O sol que da cidade do México não se via há vários dias ainda caía no ocidente tamisando o céu num nítido gradiente de azuis e laranjas.
Agora já anoiteceu e os passageiros se entretêm com amendoins e refrigerante. Somente amendoins e refrigerante! Pareceu-me de uma pirangagem sem igual da companhia aérea. Porra, estou voando e me servem somente essas merdas! Que tal um vinho, ou até mesmo uma cerveja. Bom, talvez eu ainda tenha uma lembrança de quando eu era bem pequeno, uns 6 anos e voei com minha família a Porto Alegre e me lembro muito bem que era como uma festa, toda aquela comida servida em potinhos, com garfinhos e frescuras assim... ah!. Mas voltando aos passageiros, esses comem amendoins e tomavam água negra do capitalismo, faziam palavras cruzadas e desejavam corpos e celulares anunciados nessas patéticas revistas de bordo.
Eu ...vou terminando essa nota porque ainda resta mais uma hora de vôo e apreciar as luzes humanas a 8000 m de altura me faz pensar em formigas e formigas são como nós, insignificantes e encantadoras criaturas.
No avião.
Outra vez estou voando. Pode parecer banal para os executivos engravatados, mas pra mim um reles mortal, segue sendo uma experiência no mínimo inspiradora. Alguém deveria tomar uma providência e patrocinar vôos para poetas, escritores ou até para os que sofrem de depressão. Voar deveria ser usado como terapia emocional. Ora, o céu já não pertence somente ao Condor e nós criaturas não-aladas podemos voar em monstros de ferro, mas podemos voar sim. Quando decolamos do México estava muito ansioso pois tinha a esperança de ver os vulcões de cima, do céu, como quando cheguei aqui. Não deu, estava bastante nublado o céu e o casal Popocatépetl e Iztaccíhuatl estavam escondidos, imersos num imenso algodoal celestial, frio e manso. Manso sim, quando o avião ascendeu sobre o que do solo parecia uma tempestade apocalíptica com céu negro e pesado se via um extenso e suave campo branco. O sol que da cidade do México não se via há vários dias ainda caía no ocidente tamisando o céu num nítido gradiente de azuis e laranjas.
Agora já anoiteceu e os passageiros se entretêm com amendoins e refrigerante. Somente amendoins e refrigerante! Pareceu-me de uma pirangagem sem igual da companhia aérea. Porra, estou voando e me servem somente essas merdas! Que tal um vinho, ou até mesmo uma cerveja. Bom, talvez eu ainda tenha uma lembrança de quando eu era bem pequeno, uns 6 anos e voei com minha família a Porto Alegre e me lembro muito bem que era como uma festa, toda aquela comida servida em potinhos, com garfinhos e frescuras assim... ah!. Mas voltando aos passageiros, esses comem amendoins e tomavam água negra do capitalismo, faziam palavras cruzadas e desejavam corpos e celulares anunciados nessas patéticas revistas de bordo.
Eu ...vou terminando essa nota porque ainda resta mais uma hora de vôo e apreciar as luzes humanas a 8000 m de altura me faz pensar em formigas e formigas são como nós, insignificantes e encantadoras criaturas.
domingo, 30 de outubro de 2005
El Día de Muertos
O nosso dia de finados no Brasil é conhecido no México por um nome mais claro, “Día de Muertos”. Apesar de a palavra “finados” significar o mesmo em espanhol e em português, os mexicanos preferem nomear esse dia de maneira mais crua, sem esse negócio de finados, defuntos, desencarnados e etc. A morte é a morte e quem padeceu desse mal, ou foi vítima desse fenômeno tão antigo como a vida é morto e pronto, quem sofre de morte é morto e se acabou. Acabou a frescura semântica, mas não o significado social. A morte tem realmente um significado muito complexo entre os mexicanos.
As civilizações pré-hispânicas cultuavam inúmeros deuses, cada qual com seu “domínio” no mundo visível e no invisível. Mas uma coisa era comum entre todos eles: a morte. Vários deuses têm seu nascimento contado através da morte. Contraditório mas verdadeiro, a deusa Coyolxalhqui (clique aqui para ver a foto) é uma divindade totalmente esquartejada. Sacrifícios humanos eram tão comuns quanto os nascimentos entre aztecas e mayas. Depois da conquista espanhola a prática de sacrifícios cessou junto com a maioria dos ritos pré-hispânicos. Mas o imaginário do mexicano continuava povoado de morte. Dessa vez a sua própria morte nas mãos dos conquistadores, sob a espada, a fome e a igreja católica. Essa última por sinal, que não acredita que os mortos voltavam ao mundo dos vivos, foi abrigada a incorporar ou pelo menos tolerar esse culto dos mexicanos à morte como a mais importante ferramenta para a catequização indígena junto com a Virgem de Guadalupe. Tanto foi assim que o dia de mortos passou a ser festejado pelos mexicanos na data católica de finados, 2 de novembro, não era essa a data pré-hispânica.
Mas de onde vem essa maneira tão particular de comemorar o dia de mortos? Na minha singela opinião a grande diferença entre o jeito mexicano e festejar essa data e os demais vem de um simples fato: os mexicanos crêem realmente que os mortos vêm ao mundo dos vivos nesse dia. Ora, se eles vêm porque não recebê-los com festa, comida e baile? Aí repousa a grande diferença. Esse sentimento é realmente autêntico e verdadeiro na gente do México, independentemente de religião. A diferença dos espíritas kardecistas, que também crêem que os mortos vêm ao mundo dos vivos para escrever livros, fazer caridade ou assombração a qualquer dia ou hora. No México a volta dos que já foram tem dia e hora marcada e começa antes do dia 2 de novembro. Primeiro chegam os suicidas no dia 31 de outubro, depois vêm os niños no dia 1 seguidos de jovens, solteiros, casados com filhos, sem filhos e idosos, os últimos já na madrugada do dia 1 para o 2. Ademais, os mortos vêm visitar seus familiares e entes queridos e principalmente matar saudade dos prazeres mundanos como comer, fumar, beber, bailar e há quem diga até trepar. Então, suas famílias preparam um altar com fotos do morto, comidas e bebidas de seu agrado e flores amarelas que indicam o caminho do cemitério à casa. Caveiras de açúcar decoradas com os nomes dos mortos e dos vivos também ilustram as oferendas. Pães com motivos de ossos, doces que simbolizam órgãos vitais. Tudo que é referente à morte pode ser comido numa atitude de burla. Dança-se com a morte (através do morto), se como na mesa com a morte, decoram a casa com morte. Mas a morte tem cara de vida, usa chapéu, sombrero, bigode. A morte toca música, faz comida, usa roupa de vivo. Por todos os lados as caveiras são como pessoas felizes, tocando, comendo, dançando. Por todos os lados as pessoas estão com seus mortos, felizes por recebê-los em casa outra vez, de lembrá-los de dar-lhes de comer e também de chorar por eles. Na verdade somos caveiras ambulantes, seres efêmeros que voltarão para de onde vieram. A morte não escolhe mas recolhe, e recolhe a todos sem exceção. A morte significa vida, sem a morte nada existiria, nada seria. O tempo não correria a o mundo não giraria, pelo menos para nós humanos.
No México não há nada mais natural que a morte. Nessa hora até eu e Marina, céticos e ateus que não acreditam em almas ou coisas assim, esquecemos nossas filosofias e armamos nosso altar em casa pra receber a nossa querida Keka, tomar uma cerva com ela, fumar um cigarro e comer umas coisinhas que ela gostava. Vamos escutar a música que ela gostava e lembrar dela com alegria, e tenho certeza de que ela vem juntar-se a nós aqui e compartilhar esse bom momento com seus compadres.
La muerte se goza, baila y disfruta en México.
As civilizações pré-hispânicas cultuavam inúmeros deuses, cada qual com seu “domínio” no mundo visível e no invisível. Mas uma coisa era comum entre todos eles: a morte. Vários deuses têm seu nascimento contado através da morte. Contraditório mas verdadeiro, a deusa Coyolxalhqui (clique aqui para ver a foto) é uma divindade totalmente esquartejada. Sacrifícios humanos eram tão comuns quanto os nascimentos entre aztecas e mayas. Depois da conquista espanhola a prática de sacrifícios cessou junto com a maioria dos ritos pré-hispânicos. Mas o imaginário do mexicano continuava povoado de morte. Dessa vez a sua própria morte nas mãos dos conquistadores, sob a espada, a fome e a igreja católica. Essa última por sinal, que não acredita que os mortos voltavam ao mundo dos vivos, foi abrigada a incorporar ou pelo menos tolerar esse culto dos mexicanos à morte como a mais importante ferramenta para a catequização indígena junto com a Virgem de Guadalupe. Tanto foi assim que o dia de mortos passou a ser festejado pelos mexicanos na data católica de finados, 2 de novembro, não era essa a data pré-hispânica.
Mas de onde vem essa maneira tão particular de comemorar o dia de mortos? Na minha singela opinião a grande diferença entre o jeito mexicano e festejar essa data e os demais vem de um simples fato: os mexicanos crêem realmente que os mortos vêm ao mundo dos vivos nesse dia. Ora, se eles vêm porque não recebê-los com festa, comida e baile? Aí repousa a grande diferença. Esse sentimento é realmente autêntico e verdadeiro na gente do México, independentemente de religião. A diferença dos espíritas kardecistas, que também crêem que os mortos vêm ao mundo dos vivos para escrever livros, fazer caridade ou assombração a qualquer dia ou hora. No México a volta dos que já foram tem dia e hora marcada e começa antes do dia 2 de novembro. Primeiro chegam os suicidas no dia 31 de outubro, depois vêm os niños no dia 1 seguidos de jovens, solteiros, casados com filhos, sem filhos e idosos, os últimos já na madrugada do dia 1 para o 2. Ademais, os mortos vêm visitar seus familiares e entes queridos e principalmente matar saudade dos prazeres mundanos como comer, fumar, beber, bailar e há quem diga até trepar. Então, suas famílias preparam um altar com fotos do morto, comidas e bebidas de seu agrado e flores amarelas que indicam o caminho do cemitério à casa. Caveiras de açúcar decoradas com os nomes dos mortos e dos vivos também ilustram as oferendas. Pães com motivos de ossos, doces que simbolizam órgãos vitais. Tudo que é referente à morte pode ser comido numa atitude de burla. Dança-se com a morte (através do morto), se como na mesa com a morte, decoram a casa com morte. Mas a morte tem cara de vida, usa chapéu, sombrero, bigode. A morte toca música, faz comida, usa roupa de vivo. Por todos os lados as caveiras são como pessoas felizes, tocando, comendo, dançando. Por todos os lados as pessoas estão com seus mortos, felizes por recebê-los em casa outra vez, de lembrá-los de dar-lhes de comer e também de chorar por eles. Na verdade somos caveiras ambulantes, seres efêmeros que voltarão para de onde vieram. A morte não escolhe mas recolhe, e recolhe a todos sem exceção. A morte significa vida, sem a morte nada existiria, nada seria. O tempo não correria a o mundo não giraria, pelo menos para nós humanos.
No México não há nada mais natural que a morte. Nessa hora até eu e Marina, céticos e ateus que não acreditam em almas ou coisas assim, esquecemos nossas filosofias e armamos nosso altar em casa pra receber a nossa querida Keka, tomar uma cerva com ela, fumar um cigarro e comer umas coisinhas que ela gostava. Vamos escutar a música que ela gostava e lembrar dela com alegria, e tenho certeza de que ela vem juntar-se a nós aqui e compartilhar esse bom momento com seus compadres.
La muerte se goza, baila y disfruta en México.
segunda-feira, 17 de outubro de 2005
O Vento
Ontem me tocaste como o vento toca as árvores
Suave e profundo, chacoalhando folhas das ramas mais escondidas.
Aquelas folhas que a muito não sentiam o calor celeste
Foram salvas por teus dedos, que ao mesmo tempo eram consolo e fúria.
Podavas delicadamente ramas velhas com folhas secas castigadas de tempo e memórias
No mesmo instante em que despertavas ardentemente uma folhagem húmeda, oculta e medrosa.
E despertei como árvore velha, secular, acostumada aos sarrabulhos da ventania.
Renovada do mesmo verde que me alimentou por eras.
Contente do vento dos teus dedos, da tormenta de tua boca que livrou do morto de ontem e me encheu do vivo de hoje.
Para Marina.
Suave e profundo, chacoalhando folhas das ramas mais escondidas.
Aquelas folhas que a muito não sentiam o calor celeste
Foram salvas por teus dedos, que ao mesmo tempo eram consolo e fúria.
Podavas delicadamente ramas velhas com folhas secas castigadas de tempo e memórias
No mesmo instante em que despertavas ardentemente uma folhagem húmeda, oculta e medrosa.
E despertei como árvore velha, secular, acostumada aos sarrabulhos da ventania.
Renovada do mesmo verde que me alimentou por eras.
Contente do vento dos teus dedos, da tormenta de tua boca que livrou do morto de ontem e me encheu do vivo de hoje.
Para Marina.
sábado, 15 de outubro de 2005
Peseros e Tacos
Há muitas coisas numa cidade que a traduzem. São essas particularidades as vezes nem tão particulares que cobran sentido para os habiantes de uma determinada urbe. Dentre muitas coisas que podem ser representativas da Cidade do México, duas me chamam muito a atenção. A primeira são os "peseros" os micro-ônibus daqui, que junto com as kombis e as carcaças velhas de ônibus da rede pública, são o principal meio de transporte dessa metrópole (depois vem o metrô). Num sistema de concessão pública, a micro-iniciativa privada pode entrar no negócio do transporte público, basta que tenhas o teu "pesero" e compres tua licença e ponha-lo a rodar por aí. Esse sistema tem vantagens e desvantagens. Dentre as desvantagens estão a falta de fiscalização e a corrupção que permeia a relação do Estado mexicano com as associações de "peseristas", que se assemelham muitíssimo a máfia das kombis que havia em Recife. O comportamento desses "peseros" na rua é de assutar. Param em fila dupla, tripla, quádrupla, fecham cruzamentos, correm muito, nunca fecham as portas, são extremamente mal conservados e desconfortáveis e as linhas deixam de circular quando os motoristas decidem que já não querem andar deixando muita gente na rua às 10:30 da noite. As vantagens são: a rapidez e a quantidade de "peseros" na rua. Nunca se pasa muito tempo esperando um ônibus aqui. A viagem é geralmente divertida, ao som de salsas, tecno ou músicas românticas, muitas vezes de Roberto Carlos cantando em espanhol. A decoração dos "peseros" é fantástica. Uns trazem flores no painel que também aloja uma imagem da Virgem de Guadalupe. As laterais do motorista são muitas vezes adornadas por adesivos de mulher pelada ou broches de marcas famosas. Aí dividem espaço com a carteira de motorista do dono do "pesero" colada no vidro, que nunca é o mesmo que está dirigindo. A breguisse mexicana tem um expoente de expressão nas decorações de desses veículos. Ademais, coisas impressionates para brasileiros têm lugar nesses ônibus, que quando estão superlotados a gente entra por trás e passa suas moedas com a passagem ao motorista, que também é cobrador. "Una hasta el Estadio Azteca por favor", grita um passageiro que entrou por trás enquanto suas moedas passam de mão em mão até o motorista, esse por sua parte, enquanto dirige, faz o cálculo da distância até o destino e devolve o troco que novamente regressa de mão em mão até o passageiro. Tenho certeza de que em Recife se umas moedas têm que passar de mão em mão de desconhecidos para chegar ao seu destino nunca chegariam, que dirá do troco. Todos os dias passo pelo menos uma hora e meia dentro dessas caixas de fósforo ambulantes.
A outra coisa que é uma tradução quase literal da Cidade do México são os famosos "tacos". Em quase cada esquina dessa cidade há uma barraca de tacos. É a legítima e verdadeira comida rápida do México, a "food" mais "fast" que existe na face da terra. Talvez por isso seja uma boa tradução dessa cidade que anda a rítmo de tormenta tropical (pra citar esses fenômenos famosos ultimamente). Os tacos consistem em duas tortilhas de milho (uns 10 cm de diâmetro) esquentadas numa chapa depois de molhadas numa mescla de gordura, ólheo e bactérias onde estão bioando a carne que lhes vai dar o recheio. Custam de 3 a 5 pesos em média, variando de acordo com o tamanho e a qualidade da carne, tripa, "pastor", "suadero" (também conhecido como "suda-perro", sua-cachorro em português), "chorizo". Tudo isso preparado em com as mãos, obviamente fica mais gostoso. São sagrados os tacos das sextas-feiras ou os de depois da "borrachera". A rapidez com que trabalham esses homens é inacreditável. Aqui na esquina de nossa casa tem um posto de tacos. Sempre lotado de gente num frenesí alimentício delirante. Animais famintos comendo com as mãos e melando-se de salsa picante, coentro e cebola. Inclusive eu. Peço minha ordem de tacos e em menos de 30 segundos tenha a mão meus cinco tacos de 3 sabores distintos, cobertos com cebola e coentro acompanhados de duas cebolinhas fritas e limão. São dezenas de passoas pedindo tacos em diversas apresentações e quantidades, para comer alí ou para levar e apenas 3 homens cuidam disso tudo preparando tacos de acordo com os pedidos, defumando seus corpos na gordura ebulente que emerge dos "comales" (uma espécie de panela gigante, rasa e com o fundo invertido que emerge da gordura onde flutua a carne alrredor). ^
Para o "chilango" habitante da cidade do méxico, a rapidez é fundamental, as pessoas não aguentam esparar por nada. Não esperam pelos "peseros" não esperam no semáforo, não esperam pra comer. Peseros sempre cheios de gente em pé, gente que come tacos em pé. São a cara da Cidade do México.
quinta-feira, 6 de outubro de 2005
A gente cresce... e ama o Santa Cruz
Eu confesso! Fui um torcedor fuleiro. Digo fui e explico.
Lembro muito bem da primeira vez que meu pai me levou ao Arruda em 86. Empatamos contra o Guarani em 1x1. Educação futebolística é coisa de pai e não me venham com essa conversinha de que fui influenciado e coisa e tal. Vi o Arruda lotado com a massa tricolor e aí pronto nascia outro tricolor.
Entre lembranças desconexas e coisas assim, lembro que estive na final do pernambucano de 90 no arruda quando ainda que sofrendo muito fomos campeões sobre a Coisa. Desde então fui por algumas vezes ao estádio, mas meu auge de assiduidade e paixão pelo Santa Cruz foi em 93, quando não perdí nenhum clássico e ainda fui para uns dois ou três contra o Central e Vitória. Nem é preciso lembrar como ganhamos aquele campeonato, esse fato já está escrito, gravado e incorporado ao imaginário popular. Uma lição de raça e vontade pra ser ensinada nas escolas como lição de vida.
Depois meu coração tricolor passou a ter outras paixões, veio a adolescência e a descoberta do mundo e isso tomou lugar no meu coração. Veio 95 e eu fui para alguns jogos mas nada muito séiro. Em seguida praticamente abandonei O Mais Querido, posso contar as vezes que fui ao estádio ainda que sempre saia do mundão com a sensação de ter participado de um grande espetáculo, o do futebol. Mas ele, O mais Querido, nunca me abandonou. Sentia pontadas no coração quando por ventura escutava um jogo, me alegrava quando ganhávamos e confesso que sofria calado quando o Santinha ia mal. O adesivo do escudo tricolor nunca saiu do meu quarto e diariamente o olhava e sentia que era tricolor de coração, porque simplesmente não conseguia ser indiferente àquele símbolo.
Mas pra mim é assim, as paixões desvairadas e sempre vieram e foram, mas algumas ficaram, em letargia, esperando que o amadurecimento e a vida as trouxessem a tona outra vez. Um dia me apaixonei pela minha mãe, segundo Freud assim nasce o amor entre mãe e filho. Primeiro ela era só minha, minha mãe, depois cresci e ela era minha castradora um fator de conflito e uma impositora. Depois cresci, amadureci, a compreendi e agora a amo com um sentimento muito mais real e livre. Assim foi também com minha esposa Marina, quando ainda éramos namorados nos amamos, brigamos, nos separamos, entrou em dormência. Depois ressurgiu, um sentimento maduro, são, seguro e compreensivo. Agora estamos colhendo o fruto do nosso amor, vai nascer outro tricolor.
Passei anos sem acompanhar o Santinha. Precisei sair do Brasil, vir pro México fazer meu doutorado e aos 27 anos, longe do Arruda, da massa tricolor ressurgiu minha paixão, meu amor pelo Santinha. E não é porque o Santa está bem agora não. Posso provar que não. Em 2004, pouquíssimo tempo antes de viajar, jogamos a famigerada final contra as Barbies. Eu estava afastado dos estádios e decidi não ir ao Arruda. Acordei esse dia me sentindo estranho, não pensava no Santa Cruz, fui ajudar minha esposa com um paciente seu. Então começou aquela coisa martelando minha cabeça: "Eu vou embora do Brasil por 4 anos e não vou ver o Santa jogar". Resultado, decidi ir ao jogo. Foi horrível a partida, mas sai me sentindo esplêndidamente bem. Não sei se foi porque vi a massa tricolor em festa antes do jogo, não sei se foi porque vi homens chorando feito crianças depois dele. O certo é que sai feliz e contente de torcer para uma equipe tão amada. Vim pro México em julho de 2004 e aí começou tudo, trouxe minha camisa velha, a usava em todos os lugares por onde viajávamos, tirei fotos, mandei até pro Coralnet na seção "tricolores pelo mundo". Acompanhei a agonia do Brasileirão desse ano e tudo mais. Já em 2005, estava eu no mato, numa estação biológica isolada, mas com internet satelital e escutei a partida pelo rádio transmitido online quando o Santa foi campeão por antecipação. E lá na mata no meio do nada do México, vestido com minha camisa tricolor sai pra conversar com os trabalhadores da estação e falar do Santa Cruz. Contra o Grêmio, estava como louco no laboratório escutando a partida e gritei gol altíssimo assustando a todos meus companheiros quando Xavier acertou o canhão no gol de Gallato.
Tenho certeza, minha paixão, meu amor pelo mais querido voltou com tudo, maduro, certo, incondicional e bonito.
Lembro muito bem da primeira vez que meu pai me levou ao Arruda em 86. Empatamos contra o Guarani em 1x1. Educação futebolística é coisa de pai e não me venham com essa conversinha de que fui influenciado e coisa e tal. Vi o Arruda lotado com a massa tricolor e aí pronto nascia outro tricolor.
Entre lembranças desconexas e coisas assim, lembro que estive na final do pernambucano de 90 no arruda quando ainda que sofrendo muito fomos campeões sobre a Coisa. Desde então fui por algumas vezes ao estádio, mas meu auge de assiduidade e paixão pelo Santa Cruz foi em 93, quando não perdí nenhum clássico e ainda fui para uns dois ou três contra o Central e Vitória. Nem é preciso lembrar como ganhamos aquele campeonato, esse fato já está escrito, gravado e incorporado ao imaginário popular. Uma lição de raça e vontade pra ser ensinada nas escolas como lição de vida.
Depois meu coração tricolor passou a ter outras paixões, veio a adolescência e a descoberta do mundo e isso tomou lugar no meu coração. Veio 95 e eu fui para alguns jogos mas nada muito séiro. Em seguida praticamente abandonei O Mais Querido, posso contar as vezes que fui ao estádio ainda que sempre saia do mundão com a sensação de ter participado de um grande espetáculo, o do futebol. Mas ele, O mais Querido, nunca me abandonou. Sentia pontadas no coração quando por ventura escutava um jogo, me alegrava quando ganhávamos e confesso que sofria calado quando o Santinha ia mal. O adesivo do escudo tricolor nunca saiu do meu quarto e diariamente o olhava e sentia que era tricolor de coração, porque simplesmente não conseguia ser indiferente àquele símbolo.
Mas pra mim é assim, as paixões desvairadas e sempre vieram e foram, mas algumas ficaram, em letargia, esperando que o amadurecimento e a vida as trouxessem a tona outra vez. Um dia me apaixonei pela minha mãe, segundo Freud assim nasce o amor entre mãe e filho. Primeiro ela era só minha, minha mãe, depois cresci e ela era minha castradora um fator de conflito e uma impositora. Depois cresci, amadureci, a compreendi e agora a amo com um sentimento muito mais real e livre. Assim foi também com minha esposa Marina, quando ainda éramos namorados nos amamos, brigamos, nos separamos, entrou em dormência. Depois ressurgiu, um sentimento maduro, são, seguro e compreensivo. Agora estamos colhendo o fruto do nosso amor, vai nascer outro tricolor.
Passei anos sem acompanhar o Santinha. Precisei sair do Brasil, vir pro México fazer meu doutorado e aos 27 anos, longe do Arruda, da massa tricolor ressurgiu minha paixão, meu amor pelo Santinha. E não é porque o Santa está bem agora não. Posso provar que não. Em 2004, pouquíssimo tempo antes de viajar, jogamos a famigerada final contra as Barbies. Eu estava afastado dos estádios e decidi não ir ao Arruda. Acordei esse dia me sentindo estranho, não pensava no Santa Cruz, fui ajudar minha esposa com um paciente seu. Então começou aquela coisa martelando minha cabeça: "Eu vou embora do Brasil por 4 anos e não vou ver o Santa jogar". Resultado, decidi ir ao jogo. Foi horrível a partida, mas sai me sentindo esplêndidamente bem. Não sei se foi porque vi a massa tricolor em festa antes do jogo, não sei se foi porque vi homens chorando feito crianças depois dele. O certo é que sai feliz e contente de torcer para uma equipe tão amada. Vim pro México em julho de 2004 e aí começou tudo, trouxe minha camisa velha, a usava em todos os lugares por onde viajávamos, tirei fotos, mandei até pro Coralnet na seção "tricolores pelo mundo". Acompanhei a agonia do Brasileirão desse ano e tudo mais. Já em 2005, estava eu no mato, numa estação biológica isolada, mas com internet satelital e escutei a partida pelo rádio transmitido online quando o Santa foi campeão por antecipação. E lá na mata no meio do nada do México, vestido com minha camisa tricolor sai pra conversar com os trabalhadores da estação e falar do Santa Cruz. Contra o Grêmio, estava como louco no laboratório escutando a partida e gritei gol altíssimo assustando a todos meus companheiros quando Xavier acertou o canhão no gol de Gallato.
Tenho certeza, minha paixão, meu amor pelo mais querido voltou com tudo, maduro, certo, incondicional e bonito.
quarta-feira, 5 de outubro de 2005
domingo, 2 de outubro de 2005
Memórias e Saudades do Recife (ou de mim mesmo)
Reza uma dessas sabedorias populares que às vezes temos que perder algo pra valorar.
Eu particularmente gosto dessas certezas universais que vêm do povo, me parecem traduzir algo que é comum pelo menos à maioria da humanidade, e se é comum a tanta gente é porque tem possibilidades estatisticamente significantes de traduzirem algo verdadeiro.
Uma vez resolvi que queria sair do Recife, dizia: essa cidade já deu o que tinha que dar. Estava cansado e entediado de ir ao Cinema da Fundação (“fundação” para os mais cabeçóides), de tomar uma na Cabidela do Baracho na CDU ou no Empório Sertanejo empestado de jornalistas inteligentes. Estudei metade da minha vida no Marista, andava por ali bebendo e comendo no beco da fome ou do vento, conheci todas as fedorentas ruas do centro nessa época. Isso sim eu adorava, conhecer e aprender os nomes das ruas do Recife. Escutava meu pai falando das ruas por onde passávamos no caminho de Santo Amaro até o 13 de maio e achava incrível que ele conhecesse tanto a cidade. Dizia que a Agamenon Magalhães era mangue e eu me maravilhava em imaginar uma avenida tão grande coberta de mangue e lama.
Quando só havia o “Shopping” Recife minha mãe ainda comprava roupas pra a gente lá na Rua das Calçadas e às vezes nos levava pra provar as roupas. O centro me parecia um lugar perigoso, sujo e feio. Morria de medo dos “trombadinhas” e não achava graça em pegar o 423 – Engenho do Meio às 6 da tarde lotado.
Ah, o Engenho do Meio, bairro de cornos segundo a crença popular (outra vez ela). Ali se decompuseram várias unhas perdidas em peladas nos terrenos baldios, se comemoraram várias janelas quebradas por acidente ou não. Esqueletos de lagartixas pendurados nos fios da “minha rua” Washington Luis e inocências perdidas a custa de muitos babaus e lágrimas formam lembranças reincidentes. O mundo fora do Engenho do Meio era ao mesmo tempo hostil e prometedor. Painho nos levava ao Poço da panela, à Casa Amarela, ao Sítio da Trindade. Ali vi meu pai dançando côco pela primeira vez e morri de vergonha apesar de ter me juntado a ele por alguns segundos depois de muita insistência.
Na minha adolescência a exposição de animais era esperada todo o ano de dia era pra ver bicho que sempre gostei e de noite pular o muro só pra dar emoção (o ingresso era muito barato) e assistir Zé Ramalho tocando, tomar duas cervejas porque não podia mais e voltar pra casa andando em bando era o máximo da independência. Mas também saía com meus amigos do Marista, todos revolucionários então, para tomar uma na Boa Vista, na Rua do Bom Jesus, quando essa ainda não era “chic”. Ali, nos afastávamos da “massa cocota” que andava pelo Recife antigo e íamos encher a cara, planejar a revolução comunista e filosofar antes de tomar banho de cueca no (antigo) Marco Zero.
Mas voltando ao assunto, eu queria sair do Recife e minha sorte é que nos últimos 3 anos de Recife, saia com freqüência para temporadas de trabalho de campo em Ibateguara, AL. Enfiava-me no mato por 5 ou 6 dias só pra sentir saudade e voltar ao Empório, à Fundação, ao Baracho... Ir ao centro com algum compromisso, sei lá qual, e passar horas caminhando pelo bairro de Santo Antônio entrar no mercado de São José e sentir cheiro de peixe, ver as lojas de produtos de macumba e pensar: Que louco isso aqui!. Comprava cigarro a retalho, tomava um caldo-de-cana e ficava ali de espectador olhando o movimento dos recifenses, gente banguela, camisas desabotoadas no umbigo, galegos barbudos de olhos verdes com cara de tabacudo. Sempre demorava no centro, voltava caminhando ao terminal do 423 - Engenho do Meio (não sei porque tenho fixação por esse número) que fica na Guararapes (eu gosto de chama-la Gottan Citty) comprava um picolé e ia pra casa contando as funerárias da Caxangá.
Agora moro na maior cidade do mundo a Ciudad de México, e por mais que esteja adorando viver aqui e descobrir coisas muito interessantes que já começam a fazer parte de mim, ainda lembro dos rios, das pontes, da catinga das ruas, do Cabeça de Touro, das conversas com o vigia e sinto saudade. Aqui tem catinga nas ruas, tem mercados e camelôs que vendem discos piratas, tem kombeiros legalizados que andam a 180/h e esculhambam o trânsito, têm feira na minha rua 3 vezes por semana com gente louca gritando “verdura de a peso”. Tem poetas nas ruas recitando e pedindo uma “intera” pra qualquer coisa, têm bairro pobre e bairro rico, tem gente feia, banguela e com camisa desabotoada no umbigo, tem até galego barbudo com cara de tabacudo. Se os mexicanos se esforçam transformam essa megalópole em um Recifão, com mundão e tudo o estádio Azteca. Mas falta a memória de pertencer e isso só tenho no Recife. Isso faz do México algo para descobrir, desfrutar, padecer e ir. Ir ao recife e contar tudo aos meus amigos revolucionários numa cachaça no Baracho. Agora que momentaneamente o perdi, dou mais valor ao Recife.
Eu particularmente gosto dessas certezas universais que vêm do povo, me parecem traduzir algo que é comum pelo menos à maioria da humanidade, e se é comum a tanta gente é porque tem possibilidades estatisticamente significantes de traduzirem algo verdadeiro.
Uma vez resolvi que queria sair do Recife, dizia: essa cidade já deu o que tinha que dar. Estava cansado e entediado de ir ao Cinema da Fundação (“fundação” para os mais cabeçóides), de tomar uma na Cabidela do Baracho na CDU ou no Empório Sertanejo empestado de jornalistas inteligentes. Estudei metade da minha vida no Marista, andava por ali bebendo e comendo no beco da fome ou do vento, conheci todas as fedorentas ruas do centro nessa época. Isso sim eu adorava, conhecer e aprender os nomes das ruas do Recife. Escutava meu pai falando das ruas por onde passávamos no caminho de Santo Amaro até o 13 de maio e achava incrível que ele conhecesse tanto a cidade. Dizia que a Agamenon Magalhães era mangue e eu me maravilhava em imaginar uma avenida tão grande coberta de mangue e lama.
Quando só havia o “Shopping” Recife minha mãe ainda comprava roupas pra a gente lá na Rua das Calçadas e às vezes nos levava pra provar as roupas. O centro me parecia um lugar perigoso, sujo e feio. Morria de medo dos “trombadinhas” e não achava graça em pegar o 423 – Engenho do Meio às 6 da tarde lotado.
Ah, o Engenho do Meio, bairro de cornos segundo a crença popular (outra vez ela). Ali se decompuseram várias unhas perdidas em peladas nos terrenos baldios, se comemoraram várias janelas quebradas por acidente ou não. Esqueletos de lagartixas pendurados nos fios da “minha rua” Washington Luis e inocências perdidas a custa de muitos babaus e lágrimas formam lembranças reincidentes. O mundo fora do Engenho do Meio era ao mesmo tempo hostil e prometedor. Painho nos levava ao Poço da panela, à Casa Amarela, ao Sítio da Trindade. Ali vi meu pai dançando côco pela primeira vez e morri de vergonha apesar de ter me juntado a ele por alguns segundos depois de muita insistência.
Na minha adolescência a exposição de animais era esperada todo o ano de dia era pra ver bicho que sempre gostei e de noite pular o muro só pra dar emoção (o ingresso era muito barato) e assistir Zé Ramalho tocando, tomar duas cervejas porque não podia mais e voltar pra casa andando em bando era o máximo da independência. Mas também saía com meus amigos do Marista, todos revolucionários então, para tomar uma na Boa Vista, na Rua do Bom Jesus, quando essa ainda não era “chic”. Ali, nos afastávamos da “massa cocota” que andava pelo Recife antigo e íamos encher a cara, planejar a revolução comunista e filosofar antes de tomar banho de cueca no (antigo) Marco Zero.
Mas voltando ao assunto, eu queria sair do Recife e minha sorte é que nos últimos 3 anos de Recife, saia com freqüência para temporadas de trabalho de campo em Ibateguara, AL. Enfiava-me no mato por 5 ou 6 dias só pra sentir saudade e voltar ao Empório, à Fundação, ao Baracho... Ir ao centro com algum compromisso, sei lá qual, e passar horas caminhando pelo bairro de Santo Antônio entrar no mercado de São José e sentir cheiro de peixe, ver as lojas de produtos de macumba e pensar: Que louco isso aqui!. Comprava cigarro a retalho, tomava um caldo-de-cana e ficava ali de espectador olhando o movimento dos recifenses, gente banguela, camisas desabotoadas no umbigo, galegos barbudos de olhos verdes com cara de tabacudo. Sempre demorava no centro, voltava caminhando ao terminal do 423 - Engenho do Meio (não sei porque tenho fixação por esse número) que fica na Guararapes (eu gosto de chama-la Gottan Citty) comprava um picolé e ia pra casa contando as funerárias da Caxangá.
Agora moro na maior cidade do mundo a Ciudad de México, e por mais que esteja adorando viver aqui e descobrir coisas muito interessantes que já começam a fazer parte de mim, ainda lembro dos rios, das pontes, da catinga das ruas, do Cabeça de Touro, das conversas com o vigia e sinto saudade. Aqui tem catinga nas ruas, tem mercados e camelôs que vendem discos piratas, tem kombeiros legalizados que andam a 180/h e esculhambam o trânsito, têm feira na minha rua 3 vezes por semana com gente louca gritando “verdura de a peso”. Tem poetas nas ruas recitando e pedindo uma “intera” pra qualquer coisa, têm bairro pobre e bairro rico, tem gente feia, banguela e com camisa desabotoada no umbigo, tem até galego barbudo com cara de tabacudo. Se os mexicanos se esforçam transformam essa megalópole em um Recifão, com mundão e tudo o estádio Azteca. Mas falta a memória de pertencer e isso só tenho no Recife. Isso faz do México algo para descobrir, desfrutar, padecer e ir. Ir ao recife e contar tudo aos meus amigos revolucionários numa cachaça no Baracho. Agora que momentaneamente o perdi, dou mais valor ao Recife.
sábado, 1 de outubro de 2005
Justiça para o Futebol
Mais uma vez o futebol nordestino é prejudicado na fase final de um campeonato. Não gosto de acreditar em teoria da conspiração, mas vender jogos está em voga no Brasil. Admito que o Santa não fez a sua melhor partida, perdeu gols, errou passes e marcou mal. Mas o Grêmio ganhou por 2x0 a pulso, ainda que pareça extranho dizer que um resultado de 2x0 é a pulso. Mas foi, o Grêmio ganhou esse jogo na raça e com 2 a mais, um no campo e outro nas arquibancadas. Justamente quando o Santa Cruz estava reagindo no jogo, tocando a bola e mordendo, o infâme árbitro expulsou uma peça chave do efetivo tricolor do Recife num erro absurdo de interpretação. Mais uma vez o Grêmio está na segunda divisão e o clube dos 13 faz de tudo pra mandá-lo de volta à primeira, como fizeram quando mandaram 12 de uma vez à primeira divisão. Não eximo o Grêmio de mérito nesse jogo, mas derramo minha ira sobre a recorrente prática de dar uma mãozinha aos times do sul pra sair da segunda. Não dá mais!!!!! Justiça para o Futebol!!!!
domingo, 25 de setembro de 2005
Casamento mexicano
Que legal. Por primeira vez fomos a um casamento mexicano. Dois amigos se casaram esse sábado numa festa bastante interessante.
Mexicano é "brega", e obviamente a cerimônia oficial de casamento, com juíz e tudo mais foi numa casa de eventos com toalhas e cortinas amarelo-gema, flores artificiais de todas as cores e formas por todo lado, guardanapos dobrados exquisitamente e outras poluições visuais que davam ar de chique num "barrio bravo" da Cid. do México. Foi muito interessane ver os noivos e convidados dançando ao ritmo de salsas, cumbias, danzón, merengue e até um remix com músicas de Jorge Ben setenteiras. A noiva joga o buquê, o homem, bem ao estilo mexicano macho, se meteu embaixo do vestido da noiva e tirou um pedaço da sua cinta-liga e o jogou numa atitude de pré-desvirginação em público muito de macho. Tudo muito tradicional aqui. Ademais tudo era comandado por um mestre de cerimônias com microfone que anunciava tudo que ia acontecer e até organizava a multidão nas brincadeiras. Um casamento "standard" mexicano para apresentar os noivos à sociedade e todo esse blá-blá-blá.
Mas depois daí é que veio a festa real e autêntica. Nos dirigimos à casa dos pais da noiva e numa rua que me lembrava o Eng. do Meio (minha querida terra natal)onde estavam todos os familiares e sobre tudo vizinhos. Uma típica "vecindad" mexicana. Fomos recebidos por um dos vizinhos porque os noivos ainda não haviam chegado. Nos ofereceram um brinde e começaram a falar da noiva, que a conheciam desde embrião e que a consideravam filha e toda essa história de vizinho-família já meio "borracho" de tanta tequila. Então chegaram os noivos e nos conduziram à casa da noiva que entrou carregada sob uma salva de gritos e palmas. Em seguida começaram a chegar mais e mais vizinhos com panelas de comida, garrafas de bebida, gelo, pratos...Parecia que a festa tinha sido realmente organizada pela vizinhança, e de fao foi. Eu, já bem entrozado e tomando minha "cubita" de run nicaraguense envelhecido começava a conversar com "primos" e "primas" da noiva que não paravam de dedicar-lhe alogios e desejos de felicidade. De repente entram na casa um grupo de senhores, músicos bem trajados e elegantes com um "guitarrón" (aquele violão mexicano enorme) um violão e uma sanfona. Música ao vivo maravilhosamente executada em homenagem os noivos, Marina e eu dançamos mais ainda ao som de "boleros", "rancheras" e "chilenas" numa sala apertada entre mesas com bolo, estantes com livros, jarrinhos de flores e quadros com fotos da noiva quando da sua festa de XV anos. Mais "cubitas" (não para Marina é claro)e já conheciamos toda a festa e todos já nos consideravam da família e vieram os convites, declarações de amizade eterna e outros assuntos de borrachos emocionados, mas que sinceramente ou inocentemente considero verdadeiros. Maís música, todos cantando, até toquei violão. A festa seguia sem desanimar-se, uma verdadeira demonstração de amizade e dedicação aos noivos que alegremente desfrutavam de seu dia.
Saimos dalí com bastante alegria e com uma boa sensação de que as coisas reais e autênticas são simples e que a alegria "standard" de um salão de festas é um simulacro ridículo do mundo.
Mexicano é "brega", e obviamente a cerimônia oficial de casamento, com juíz e tudo mais foi numa casa de eventos com toalhas e cortinas amarelo-gema, flores artificiais de todas as cores e formas por todo lado, guardanapos dobrados exquisitamente e outras poluições visuais que davam ar de chique num "barrio bravo" da Cid. do México. Foi muito interessane ver os noivos e convidados dançando ao ritmo de salsas, cumbias, danzón, merengue e até um remix com músicas de Jorge Ben setenteiras. A noiva joga o buquê, o homem, bem ao estilo mexicano macho, se meteu embaixo do vestido da noiva e tirou um pedaço da sua cinta-liga e o jogou numa atitude de pré-desvirginação em público muito de macho. Tudo muito tradicional aqui. Ademais tudo era comandado por um mestre de cerimônias com microfone que anunciava tudo que ia acontecer e até organizava a multidão nas brincadeiras. Um casamento "standard" mexicano para apresentar os noivos à sociedade e todo esse blá-blá-blá.
Mas depois daí é que veio a festa real e autêntica. Nos dirigimos à casa dos pais da noiva e numa rua que me lembrava o Eng. do Meio (minha querida terra natal)onde estavam todos os familiares e sobre tudo vizinhos. Uma típica "vecindad" mexicana. Fomos recebidos por um dos vizinhos porque os noivos ainda não haviam chegado. Nos ofereceram um brinde e começaram a falar da noiva, que a conheciam desde embrião e que a consideravam filha e toda essa história de vizinho-família já meio "borracho" de tanta tequila. Então chegaram os noivos e nos conduziram à casa da noiva que entrou carregada sob uma salva de gritos e palmas. Em seguida começaram a chegar mais e mais vizinhos com panelas de comida, garrafas de bebida, gelo, pratos...Parecia que a festa tinha sido realmente organizada pela vizinhança, e de fao foi. Eu, já bem entrozado e tomando minha "cubita" de run nicaraguense envelhecido começava a conversar com "primos" e "primas" da noiva que não paravam de dedicar-lhe alogios e desejos de felicidade. De repente entram na casa um grupo de senhores, músicos bem trajados e elegantes com um "guitarrón" (aquele violão mexicano enorme) um violão e uma sanfona. Música ao vivo maravilhosamente executada em homenagem os noivos, Marina e eu dançamos mais ainda ao som de "boleros", "rancheras" e "chilenas" numa sala apertada entre mesas com bolo, estantes com livros, jarrinhos de flores e quadros com fotos da noiva quando da sua festa de XV anos. Mais "cubitas" (não para Marina é claro)e já conheciamos toda a festa e todos já nos consideravam da família e vieram os convites, declarações de amizade eterna e outros assuntos de borrachos emocionados, mas que sinceramente ou inocentemente considero verdadeiros. Maís música, todos cantando, até toquei violão. A festa seguia sem desanimar-se, uma verdadeira demonstração de amizade e dedicação aos noivos que alegremente desfrutavam de seu dia.
Saimos dalí com bastante alegria e com uma boa sensação de que as coisas reais e autênticas são simples e que a alegria "standard" de um salão de festas é um simulacro ridículo do mundo.
domingo, 18 de setembro de 2005
A Independência
No último 15 de setembro presenciei uma grande festa popular do México. O dia da independência ou popularmente conhecido como o "dia do grito", por que nesse dia, precisamente às 23:00 há 195 anos atrás o padre Hidalgo de Castilla y León deu o grito de "Viva México, viva la independencia". Desde então os mexicanos comermoram a sua independência do império espanhol repetindo quase o mesmo grito, com a diferneça de que se acrescentou outros "vivas" aos heróes da independência como o mesmo padre, e a outros personagens históricos que lutaram pela soberania mexicana em outros momentos.
Interessante, todas as ruas e casas estão decoradas com bandeiras tricolores, escudos e águias encima de um cactus. As crianças de vestem de campesinos, revolucionários ou simplesmente colocamum "sombrero" e um bigode. Todos os símbolos nacionais estão pela rua, tudo que representa de alguma forma a mexicanidade é exaltado.
Por um lado, me pareceu uma bonita demonstração de patriotismo, de amor a nação e a afrimação da identidade mexicana. Para mim, um brasileiro que no dia da independência costumava ir à praia ou ao grito dos excluídos (uma vez) e cuja maior demonstração de patriotismo dos meus compatriotas (minha também) via numa copa do mundo ou nas corridas de F1 na época de Senna, ver todo esse fervor patriótico mexicano é bastante interessante.
Por outro lado, é evidente que esse culto aos símbolos nacionais mexicanos é ensinado e ensaiado desde criança pela família e escola, assim como é feito com o culto à Virgen de Guadalupe. Sim, essa festa pátria é uma espécie de culto cego e religioso aos símbolos nacionais, a Virgen também é um símbolo nacional. É evidente que isso serve ao poder num país como o México, é um entorpecimento comparável a uma seção evengélica ou carismática das mais fanáticas. Todos amam ao México e se amam como mexicanos nesse momento, ainda que no dia seguinte continuem discriminando ao indígenas - "pinche indio". São 15 milhões de índios puros que continuam à margem da sociedade mexicana. Lembro dos festejos dos 500 anos de Brasil quando desceram o cacete nos índios que se dirigiam a Cabrália. A afrimação da nacionalidade também serve para excluir aqueles que não estão de acordo com o modelo de nação vigente. Não, ninguém se atreve a questionar que México queremos? Nesse dia não! É pecado. Então se alcança o objetivo subliminar de demonstrações fanáticas de amor e pertenência, a anestesia, o automatismo.
O amor à pátria é uma virtude que se expressa no sentimento de irmandade. Mas isso só é possível na inclusão social de todos os que estão à margem da nação. Gritar "¡viva México cabrones!" é afrimar-se como mexicano, decendente de índios como são 90% da população desse país, é defender a causa dos que ainda não podem gritar um viva porque ainda não comeram, é gritar por justiça social para o México, isso sim me parece um verdadeiro grito de independência. Enquanto houver legiões de miseráveis na América Latina nunca poderemos gritar um "Viva" pleno, porque estaremos ainda reféns da pobreza e da dominação elitista.
¡Viva México! ¡Viva Brasil! ¡Viva América! !Justicia para los pueblos! !VIVA LA INDEPENDENCIA!
sábado, 10 de setembro de 2005
Hoje se casa meu amigo.
Hoje se casa um grande amigo.
Há dez anos, casar era coisa longínqua.
Disfrutávamos a irresponsabilidade solitária,
A liberdade inconsequente da juventude.
Mas também sonhávamos com amores eternos
Com vidas compartilhadas, filhos e casa.
Até o sexo, pouco ou nada frequente então
Era mais um dos desejos realizáveis num matrimônio.
Agora que as aspirações são mais nobres,
Menos egoístas que há dez anos,
Casar é aventurar-se em companhia.
É ter filho para alimentar as esperanças num mundo melhor.
É ser inconsequente e livre nos recorridos anatômicos,
É ser padrinho, madrinha, tio e tia.
Meu amigo se casa hoje... Saudades e Felicidades!
Há dez anos, casar era coisa longínqua.
Disfrutávamos a irresponsabilidade solitária,
A liberdade inconsequente da juventude.
Mas também sonhávamos com amores eternos
Com vidas compartilhadas, filhos e casa.
Até o sexo, pouco ou nada frequente então
Era mais um dos desejos realizáveis num matrimônio.
Agora que as aspirações são mais nobres,
Menos egoístas que há dez anos,
Casar é aventurar-se em companhia.
É ter filho para alimentar as esperanças num mundo melhor.
É ser inconsequente e livre nos recorridos anatômicos,
É ser padrinho, madrinha, tio e tia.
Meu amigo se casa hoje... Saudades e Felicidades!
quinta-feira, 25 de agosto de 2005
A música de Elomar
Sempre que quero escutar Elomar me preparo para uma viagem, uma epécie de entorpecimento mental e sentimental. Sua música é impressionantemente mágica. Não consigo escutar suas cançoes embaladas ao violão minuciosamente dedilhado sem me transportar a um mundo diferente. Não sou sertanejo, mas conheço bem a miséria dessa região e de outras igualmente miseráveis e lindas onde tive a sorte de trabalhar e conviver com a gente. Lembro da vida dura, sofrida mas contraditoriamente bonita que se leva nesses lugares.
"ô zefinha o luar chegou meu bem..."
Sinto a indignação dos trabalhadores canavieiros que sofrem de uma espécie de escravidão.
"É a cegueira de deixar um dia de ser pião
num dançar mais amarrado no pescoço cum cordão
de num sê mais impregado di tumbém num sê patrão..."
Me transporto a eras medievais, de princesas e cavaleiros figuravam as fantasias de orígem ibérica que nos incutiam como enlatados em programas de Xuxa, mas que agora sim me parecem belas fantasias.
" Certa vez um certo príncipe apaixonou-se por uma donzela
Intiada de um Rei lá do Reino de Castela...
Mala sorte é que ele foi morrendo de amor pru ela
I pru mode das arma o rei lhe negou intonce a mão dela
Imbuçado com um velo com o semblante ocultado
Pelas porta do Castelo mendigava apaioxado
Té qui un dia essa princesa, desceu feito um sarafim
Ele intoce pidiu a ela que lhe incinasse o camin...
Vê que um pobre cego não enxerga o camin..."
Imagino rodas de cantoria sob a Lua com a gente alegre e simples
"Vem João, trás a viola seguro na mão
pega as mandurevba atiça os tição
Carrega pro terrero os banco e as cadeira
E chama as menina pra rodar um baião..."
Volto às feiras de Ibateguara, passeios singelos de um domingo. Oportunidade de ver gente pra quem vive enfiado nos sítios.
"Já que tú vai lá pra feira, traga de lá para mim..."
Imagino até viagens alucinógenas...
"Monjas cavalgadas vindas de estrelas, mundo recuado..."
Mas o mais significante é a certeza de uma vida simples e feliz, com poesia, amor e esperança num mundo melhor. Coisas tão difíceis no mundo atual de vaidades acadêmicas, oude coisas mais cruas como lutas desesperadas pela sobrevivência.
Conheçam e escutem Elomar
"ô zefinha o luar chegou meu bem..."
Sinto a indignação dos trabalhadores canavieiros que sofrem de uma espécie de escravidão.
"É a cegueira de deixar um dia de ser pião
num dançar mais amarrado no pescoço cum cordão
de num sê mais impregado di tumbém num sê patrão..."
Me transporto a eras medievais, de princesas e cavaleiros figuravam as fantasias de orígem ibérica que nos incutiam como enlatados em programas de Xuxa, mas que agora sim me parecem belas fantasias.
" Certa vez um certo príncipe apaixonou-se por uma donzela
Intiada de um Rei lá do Reino de Castela...
Mala sorte é que ele foi morrendo de amor pru ela
I pru mode das arma o rei lhe negou intonce a mão dela
Imbuçado com um velo com o semblante ocultado
Pelas porta do Castelo mendigava apaioxado
Té qui un dia essa princesa, desceu feito um sarafim
Ele intoce pidiu a ela que lhe incinasse o camin...
Vê que um pobre cego não enxerga o camin..."
Imagino rodas de cantoria sob a Lua com a gente alegre e simples
"Vem João, trás a viola seguro na mão
pega as mandurevba atiça os tição
Carrega pro terrero os banco e as cadeira
E chama as menina pra rodar um baião..."
Volto às feiras de Ibateguara, passeios singelos de um domingo. Oportunidade de ver gente pra quem vive enfiado nos sítios.
"Já que tú vai lá pra feira, traga de lá para mim..."
Imagino até viagens alucinógenas...
"Monjas cavalgadas vindas de estrelas, mundo recuado..."
Mas o mais significante é a certeza de uma vida simples e feliz, com poesia, amor e esperança num mundo melhor. Coisas tão difíceis no mundo atual de vaidades acadêmicas, oude coisas mais cruas como lutas desesperadas pela sobrevivência.
Conheçam e escutem Elomar
Quem são os terroristas?
Leiam isso que está na Carta Maior.
Afinal de contas os bárbaros, fanáticos religiosos e terroristas são os outros.
Puta que Pariu, olha a cara de ovelhinha do safado!
Até parece o Baby Bush!
Vai ser filho da puta assim lá na Gringolândia
http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp?id=3404&cd_editoria=005&coluna=reportagens
domingo, 21 de agosto de 2005
Churrasco Brasileiro
Sábado dia 20 fomos eu e Nina pra um churrasco da comunidade brasileira que vive no México.
Depois de tanto tempo sem comer picanha, e de falar português somente com Nina, até que me pareceu uma boa idéia conhecer uns brasileiros e comer uma carninha assada num corte decente.
Chegamos no local de festa (por sinal longe que só a porra) e fomos recebidos ao som do "é o tchan". Pensei: Meu Deus o que é que eu tô fazendo aqui? Abstraí, comecei a tomar cerveja, comer churrasco e conversar com o mexicano que nos deu carona, um cara legal que foi casado com uma carioca e tinha todo o sotaque e girias dos cariocas mais da gema. Tentei puxar conversa com alguns brasileiros, uns gaúchos, outros paulistas. Sem sucesso voltei a conversar com outro mexicano que era casado com uma goiana. A música se revesava entre "Axé" e pagodes pegajosos. Uma verdadeira tortura. Das pessoas que conheci todos eram funcionários de empresas que os transferiram pra cá ou coisa semelhante. E numa coisa todos concordavam, quando eu lhes perguntava se estavam gostando do México todos dizíam: "É né, tô me acostumando". Tudo bem que a Cid. do México não é a melhor das maravilhas de cidade, mas tem seu encanto, sua alma e sobre tudo acolhe muito bem a todos os estrangeiros, principalmente brasileiros.
Nós realmente estávamos no lugar errado! Música ruim, pessoas pouco simpáticas com visões muito estreitas sobre o que é viver no México. Uma bizarra mostra do que é a brasileiridade burra, que escuta lixo comercial, dança passinhos ensaiados de dançarina de Faustão e acha que o Brasil é o melhor país do mundo só porque tem gente bonita e alegre. Infelizmente a passagem dessas pessoas pelo México não as ensinará muito porque simplesmente não estão abertas a viver outra experência, uma experiência de latinidade, de se descobrir realmente irmão dos tantos outros latinos que nos cercam. Sei que nem todos eram assim lá, mas evidentemente a dominância era desse tipo de gente. Parebéns aos organizadores que não deixaram faltar cerveja nem carne e pela coragem de fazer uma reunião com tanta gente. Agradeço a festa, mas prefiro reunir-me com meus amigos mexicanos, são muito mais interessantes e autênticos que a maioria dos "paisanos" que eu conhecí aqui.
¡Viva México Cabrones!
Depois de tanto tempo sem comer picanha, e de falar português somente com Nina, até que me pareceu uma boa idéia conhecer uns brasileiros e comer uma carninha assada num corte decente.
Chegamos no local de festa (por sinal longe que só a porra) e fomos recebidos ao som do "é o tchan". Pensei: Meu Deus o que é que eu tô fazendo aqui? Abstraí, comecei a tomar cerveja, comer churrasco e conversar com o mexicano que nos deu carona, um cara legal que foi casado com uma carioca e tinha todo o sotaque e girias dos cariocas mais da gema. Tentei puxar conversa com alguns brasileiros, uns gaúchos, outros paulistas. Sem sucesso voltei a conversar com outro mexicano que era casado com uma goiana. A música se revesava entre "Axé" e pagodes pegajosos. Uma verdadeira tortura. Das pessoas que conheci todos eram funcionários de empresas que os transferiram pra cá ou coisa semelhante. E numa coisa todos concordavam, quando eu lhes perguntava se estavam gostando do México todos dizíam: "É né, tô me acostumando". Tudo bem que a Cid. do México não é a melhor das maravilhas de cidade, mas tem seu encanto, sua alma e sobre tudo acolhe muito bem a todos os estrangeiros, principalmente brasileiros.
Nós realmente estávamos no lugar errado! Música ruim, pessoas pouco simpáticas com visões muito estreitas sobre o que é viver no México. Uma bizarra mostra do que é a brasileiridade burra, que escuta lixo comercial, dança passinhos ensaiados de dançarina de Faustão e acha que o Brasil é o melhor país do mundo só porque tem gente bonita e alegre. Infelizmente a passagem dessas pessoas pelo México não as ensinará muito porque simplesmente não estão abertas a viver outra experência, uma experiência de latinidade, de se descobrir realmente irmão dos tantos outros latinos que nos cercam. Sei que nem todos eram assim lá, mas evidentemente a dominância era desse tipo de gente. Parebéns aos organizadores que não deixaram faltar cerveja nem carne e pela coragem de fazer uma reunião com tanta gente. Agradeço a festa, mas prefiro reunir-me com meus amigos mexicanos, são muito mais interessantes e autênticos que a maioria dos "paisanos" que eu conhecí aqui.
¡Viva México Cabrones!
sexta-feira, 19 de agosto de 2005
Mais dinheiro às campanhas eleitorais que ao combate à pobreza!
Nesse momento (praticamente eterno) de crise política no Brasil, muito se tem dicutido sobre a bendita reforma política, financiamento público de campanha, fidelidade partidária, conjugal, emocional... Mas uma vez a solução do Brasil está nas REFORMAS. Haja reformar ese país, já vejo a hora de estourar o orçamento, deixar-mos de pagar os pedreiros e aí BUM! A casa cai.
É caixa dois prá lá, verbas de campanha pra cá e novamente se discute o financiamento público de campanhas. Obviamente isso é apresentado como a solução para evitar tanto desvío de dinheiro e troca de favores entre financiadores e financiados. Aqui no México o financiamento de campanha é público, ou quase público, na verdade é uma mistura dos dois. 2006 é ano de elição presidencial no México e o IFE (Instituto Federal Eleitoral) aporta grande parte do dinheiro destinado às campanhas eleitorais dos partidos do México. Para essas eleições o orçamento é de "míseros" 13 bilhões de pesos, cerca de 1,3 bilhões de dólares (sic.). Esse montante ultrapassa os investimentos de muitos programas de Saúde, Educação, Cultura e Meio Ambiente e combate à Pobreza nesse país, não juntos mas... puta que pariu (La Jornada 15 de agosto - http://www.jornada.unam.mx/2005/ago05/050815/)! Aparte disso também é permitido que os partidos e candidtos recebam "doações" de campanha do setor privado. Não quero nem pensar na soma total.
Agora eu pergunto: Será que isso vai acontecer no Brasil? Estou certo que sim e aí haja estômago para aguentar saber que se gasta mais dinheiro com eleições que com programas culturais, educacionais, ambientais e de combate à miséria num país em calamidade pública como o nosso.
Todos os dias vou pra UNAM num "pesero" cheio de gente pobre, vejo a miséria nese país fazendo vítimas sobre tudo a população indígena pura (cerca de 15 milhões ou 12% da população mexicana residente), aos seus decendentes retirantes na Cid. do México e penso: Que merda de mundo é esse!
Financiar publicamente as campanhas no Brasil pode ajudar a evitar a lavegem de dinheiro, a proliferação de caixa 2 a sonegação e todos eses males congênitos da política latinoamericana. Entretanto não evitará que as relações incestuosas entre governo e elites deixem de acontecer, afinal um não vive sem o outro. Se vamos optar por um financiamento público de campanha, preparemos nossos estômagos para engolir cifras milhonárias aos partidos ultrapassando programas de saúde, educação, cultura e princiaplemente os limites da decência e do bom senso. Vide o México.
É caixa dois prá lá, verbas de campanha pra cá e novamente se discute o financiamento público de campanhas. Obviamente isso é apresentado como a solução para evitar tanto desvío de dinheiro e troca de favores entre financiadores e financiados. Aqui no México o financiamento de campanha é público, ou quase público, na verdade é uma mistura dos dois. 2006 é ano de elição presidencial no México e o IFE (Instituto Federal Eleitoral) aporta grande parte do dinheiro destinado às campanhas eleitorais dos partidos do México. Para essas eleições o orçamento é de "míseros" 13 bilhões de pesos, cerca de 1,3 bilhões de dólares (sic.). Esse montante ultrapassa os investimentos de muitos programas de Saúde, Educação, Cultura e Meio Ambiente e combate à Pobreza nesse país, não juntos mas... puta que pariu (La Jornada 15 de agosto - http://www.jornada.unam.mx/2005/ago05/050815/)! Aparte disso também é permitido que os partidos e candidtos recebam "doações" de campanha do setor privado. Não quero nem pensar na soma total.
Agora eu pergunto: Será que isso vai acontecer no Brasil? Estou certo que sim e aí haja estômago para aguentar saber que se gasta mais dinheiro com eleições que com programas culturais, educacionais, ambientais e de combate à miséria num país em calamidade pública como o nosso.
Todos os dias vou pra UNAM num "pesero" cheio de gente pobre, vejo a miséria nese país fazendo vítimas sobre tudo a população indígena pura (cerca de 15 milhões ou 12% da população mexicana residente), aos seus decendentes retirantes na Cid. do México e penso: Que merda de mundo é esse!
Financiar publicamente as campanhas no Brasil pode ajudar a evitar a lavegem de dinheiro, a proliferação de caixa 2 a sonegação e todos eses males congênitos da política latinoamericana. Entretanto não evitará que as relações incestuosas entre governo e elites deixem de acontecer, afinal um não vive sem o outro. Se vamos optar por um financiamento público de campanha, preparemos nossos estômagos para engolir cifras milhonárias aos partidos ultrapassando programas de saúde, educação, cultura e princiaplemente os limites da decência e do bom senso. Vide o México.
quinta-feira, 11 de agosto de 2005
Os vulcões do México
Hoje o dia amanhceu lindo, céu limpo, azul e fresco.
Saí de casa às 9:00 ruma à UNAM, subi no "pesero" como diariamente o faço, mecanicamente num trabalho mental para aguentar a 1 h de percurso até a UNAM. Numa cidade de 20 milhões de habitantes, com tanta poluição atmosférica o céu dificilmente é um atrativo e quase nunca as pessoas olham pra cima. Entretanto nesse dia bonito lembrei-me dos vulcões Popocatépetl e Iztacíhuatl que ficam aqui a escassos kilômetros dessa metrópole. - Talvez se posssa ver os vulcões com esse céu limpo-. Pra minha surpresa e maravilha estavam lá os dois, lado a lado, gigantes elevando-se a mais de 5000 metros. Nesse dia até seus nomes lhes eram perfeitos. O "Izta" como é conhecida a "mulher deitada" em Náhuatl, esava lindo, nevado e parecia realmente dormindo entre as ralas nuvens constantes a essa altitude. O "Popo" "montanha fumegante" estava raivoso, com um enorme coluna de cinza e fumaça que mais parecia uma cabeleira.
Esses dois vulcões estão intimamente ligados à história do México, sobre tudo à dos Aztecas. No Popo se realizavam sacrifícios humanos, no Izta se realizavam oferendas de flores e peregrinações. Entre os dois está o "paso de Cortés" por onde chegaram ao Vale do México os conquistadores espanhóis. Eram dois Deuses para os Aztecas, pra mim também o são. Duas montanhas tão lindas a poucos kilômetros da Chilangolândia Babilonesca é uma fator de adoração. Pena que quase não se pode vê-los pela contaminação do ar que escurece o céu e nos priva do horizonte.
Mas sempre que os vejo fico feliz, talvez por sentirme pequeno diante de tanta imponencia da natureza, talvez por lemrar-me do mundo afora da maior cidade do mundo, talvez por serem realmente Deuses.
domingo, 7 de agosto de 2005
Revisitei-me
E quase me dei conta de quanto tempo estive fora
Por um segundo soube da saudade que sentia de mim
Das ânsias de mudar o mundo, de fazer de minha vida um exemplo.
Senti outra vez a sensação boa de dominar meu futuro
De saber o certo e o errado, e escolher o errado só pra estar contra.
Senti outra vez o sabor da vida simples, abastecida de sonhos
Então pensei no filho (a) que sempre quiz ter, que vou ter
Que queria nascer com ele só pra dizê-lo que o sonho voltou
Que a esperança está na vida nossa abastecida dos mesmos sonhos
Outrora tão complicados, agora tão necessários.
Revisitei-me no mesmo instante em que decidi ficar definitivmente em mim.
E quase me dei conta de quanto tempo estive fora
Por um segundo soube da saudade que sentia de mim
Das ânsias de mudar o mundo, de fazer de minha vida um exemplo.
Senti outra vez a sensação boa de dominar meu futuro
De saber o certo e o errado, e escolher o errado só pra estar contra.
Senti outra vez o sabor da vida simples, abastecida de sonhos
Então pensei no filho (a) que sempre quiz ter, que vou ter
Que queria nascer com ele só pra dizê-lo que o sonho voltou
Que a esperança está na vida nossa abastecida dos mesmos sonhos
Outrora tão complicados, agora tão necessários.
Revisitei-me no mesmo instante em que decidi ficar definitivmente em mim.
sábado, 23 de julho de 2005
Quem frequenta o cárcere no Brasil?
Reportagem publicada na Revista Veja
A empregada doméstica Maria Aparecida de Matos tem 24 anos, dois filhos pequenos e acaba de deixar a prisão, onde passou um ano e sete dias. Ela foi presa em flagrante quando tentava furtar um xampu e um condicionador numa farmácia, em São Paulo. Os produtos custavam 24 reais.(Enquanto isso... Na época em que Maria tentava furtar cosméticos, o ex-governador de Roraima Neudo Campos foi pego no caso dos gafanhotos, que desviou uns 300 milhões de reais da folha salarial do estado. Campos foi preso, mas ficou só dez dias no xilindró. Solto em 6 de dezembro de 2003, está livre desde então. Livre, leve e solto. E rico.)Maria é analfabeta, só sabe desenhar o nome. Nunca teve dinheiro para pagar advogado. Depois de presa, foi atendida pela assistência jurídica gratuita e pela advogada Sônia Regina Arrojo e Drigo, que se revoltou com o absurdo da situação. O primeiro recurso chegou à 2ª Vara Criminal. Solicitava que Maria aguardasse o julgamento em liberdade. A Justiça achou que ela tinha de ficar presa. Ficou.(Enquanto isso... Jader Barbalho foi acusado de chefiar a máfia da Sudam, que patrocinou roubalheiras de 1,7 bilhão de reais. Foi preso em fevereiro de 2002. Ficou onze horas atrás das grades. Está livre desde então. Hoje é deputado federal pelo Pará. E muito rico.)Inconformada com a decisão da 2ª Vara Criminal, a defesa de Maria foi à mais alta instância da Justiça paulista, o Tribunal de Justiça. Voltou a pedir que Maria aguardasse o julgamento em liberdade, mas, nesse meio-tempo, aconteceu o julgamento. E Maria foi condenada a um ano de detenção num manicômio penitenciário. Tinha de ficar presa. Ficou.
(Enquanto isso... A máfia dos vampiros, que assaltava o Ministério da Saúde havia treze anos, foi estourada em maio de 2004. A polícia capturou dezessete integrantes do esquema, suspeito de desviar até 2 bilhões de reais. Hoje os dezessete estão soltos. O líder das roubalheiras, Lourenço Peixoto, ficou só 104 dias na cadeia.)Finalmente, a defesa de Maria recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. O recurso não negava o furto, apenas pedia que Maria fosse libertada devido à insignificância do crime, princípio que já tem jurisprudência formada. Um ministro do STJ, Paulo Gallotti, entendeu a inacreditável injustiça que se fazia contra Maria e mandou libertá-la. Depois de um ano e sete dias na cadeia, Maria foi solta na terça-feira passada.
(Enquanto isso.. Na mesma terça-feira, o corrupto dos Correios, Maurício Marinho, depôs na polícia. Marinho é aquele que foi filmado embolsando uma propinazinha de 3.000 reais - dava para comprar 125 vidros de xampu e condicionador iguais aos que Maria tentou furtar. Marinho foi indiciado, mas está livre. Saiu do depoimento na polícia e fez um lanche no McDonald's.)
Na prisão, Maria foi torturada. Perdeu a visão do olho direito. Era vaidosa e, segundo o repórter Gilmar Penteado, da Folha de S.Paulo, que a entrevistou, tenta esconder o defeito no rosto quando conversa com alguém. Na terça-feira, quando lhe deram a notícia de que finalmente seria libertada, Maria não acreditou. Achou que fosse brincadeira. "Pensei que jamais iria sair de lá", disse ela.É a cara do Brasil.
A empregada doméstica Maria Aparecida de Matos tem 24 anos, dois filhos pequenos e acaba de deixar a prisão, onde passou um ano e sete dias. Ela foi presa em flagrante quando tentava furtar um xampu e um condicionador numa farmácia, em São Paulo. Os produtos custavam 24 reais.(Enquanto isso... Na época em que Maria tentava furtar cosméticos, o ex-governador de Roraima Neudo Campos foi pego no caso dos gafanhotos, que desviou uns 300 milhões de reais da folha salarial do estado. Campos foi preso, mas ficou só dez dias no xilindró. Solto em 6 de dezembro de 2003, está livre desde então. Livre, leve e solto. E rico.)Maria é analfabeta, só sabe desenhar o nome. Nunca teve dinheiro para pagar advogado. Depois de presa, foi atendida pela assistência jurídica gratuita e pela advogada Sônia Regina Arrojo e Drigo, que se revoltou com o absurdo da situação. O primeiro recurso chegou à 2ª Vara Criminal. Solicitava que Maria aguardasse o julgamento em liberdade. A Justiça achou que ela tinha de ficar presa. Ficou.(Enquanto isso... Jader Barbalho foi acusado de chefiar a máfia da Sudam, que patrocinou roubalheiras de 1,7 bilhão de reais. Foi preso em fevereiro de 2002. Ficou onze horas atrás das grades. Está livre desde então. Hoje é deputado federal pelo Pará. E muito rico.)Inconformada com a decisão da 2ª Vara Criminal, a defesa de Maria foi à mais alta instância da Justiça paulista, o Tribunal de Justiça. Voltou a pedir que Maria aguardasse o julgamento em liberdade, mas, nesse meio-tempo, aconteceu o julgamento. E Maria foi condenada a um ano de detenção num manicômio penitenciário. Tinha de ficar presa. Ficou.
(Enquanto isso... A máfia dos vampiros, que assaltava o Ministério da Saúde havia treze anos, foi estourada em maio de 2004. A polícia capturou dezessete integrantes do esquema, suspeito de desviar até 2 bilhões de reais. Hoje os dezessete estão soltos. O líder das roubalheiras, Lourenço Peixoto, ficou só 104 dias na cadeia.)Finalmente, a defesa de Maria recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. O recurso não negava o furto, apenas pedia que Maria fosse libertada devido à insignificância do crime, princípio que já tem jurisprudência formada. Um ministro do STJ, Paulo Gallotti, entendeu a inacreditável injustiça que se fazia contra Maria e mandou libertá-la. Depois de um ano e sete dias na cadeia, Maria foi solta na terça-feira passada.
(Enquanto isso.. Na mesma terça-feira, o corrupto dos Correios, Maurício Marinho, depôs na polícia. Marinho é aquele que foi filmado embolsando uma propinazinha de 3.000 reais - dava para comprar 125 vidros de xampu e condicionador iguais aos que Maria tentou furtar. Marinho foi indiciado, mas está livre. Saiu do depoimento na polícia e fez um lanche no McDonald's.)
Na prisão, Maria foi torturada. Perdeu a visão do olho direito. Era vaidosa e, segundo o repórter Gilmar Penteado, da Folha de S.Paulo, que a entrevistou, tenta esconder o defeito no rosto quando conversa com alguém. Na terça-feira, quando lhe deram a notícia de que finalmente seria libertada, Maria não acreditou. Achou que fosse brincadeira. "Pensei que jamais iria sair de lá", disse ela.É a cara do Brasil.
domingo, 17 de julho de 2005
La Selva Maya
La Selva Maya
Selva Maya. Assim se chama a zona que compreende a península de Yucatán no México, Belize, Guatemala, parte de Honduras e El Salvador. Consiste no limite norte da floresta tropical nas Américas. Uma zona onde se desenvolveu a civilização pré-colombiana mais significativa da Mesoamérica. Uma civilização extremamente bélica, que se teve seu império e sua decadência devido a esse belicismo.
Visitei a zona da “Selva Maya” como parte de uma prospecção para meu trabalho de campo para o doutorado. Fui com um amigo que trabalha com as onças-pintadas da zona, conhece muito bem a região, trabalha aí há pelo menos 10 anos e já viu de tudo. Eu estou apenas começando a ter noção da significância desse lugar tão cheio de história, natural e humana (afinal assim se divide a história, infelizmente). Do avião podia ver o que há muito meus olhos não viam, kilômetros e kilômetros de floresta continua, um mar verde que somente tinha visto na Amazônia há quase três anos. A diferença básica é que desde o avião se viam ruínas mayas por todos os lados da floresta. Pirâmides se erguiam do meio da floresta como icebergs num mar verde.
Baixamos em Chetumal, capital do estado de Quintana Roo, México, fronteira com Belize, na costa caribenha mexicana. Uma enorme baía onde deságua o Rio Hondo que divide os dois países, zona de Mayas, piratas ingleses, lutas de conquista e com uma história complicada e difícil de compreender. Uma cidade menor que Caruaru, fundada há menos de 50 anos quando se criou artificialmente o estado para tirar território e poder político aos yucatecos, historicamente separatistas. A península de Yucatán copreende 3 estados Yucatán, Campeche e Quintana Roo onde 70% do território está coberto de floresta tropical super-biodiversa.
Começamos a andar pelas estradas da zona em busca de sítios prováveis para realizar meu estudo. Por toda a estrada dominam as florestas, umas perturbadas por agricultores locais que detêm a posse da terra na forma de “ejidos” que são uma espécie de cooperativa agrícola com uma mescla de terras privadas e terras comunais. Cada “ejido” pode ter desde poucas famílias até alguns milhares destas. É a reforma agrária mexicana! Puseram os sem-terra daqui em zonas florestais, isolados do mundo onde praticam basicamente a agricultura de subsistência, ou seja, coivara. Queima, corta, planta e abandona. Isso faz um duplo favor ao governo que cala a boca dos agricultores e derruba a floresta para cultivos incipientes e assim segue o desmatamento na zona.
Outra coisa que se faz notar pelas estradas são os sítios arqueológicos Mayas. A cada 10 minutos se pode ver placas que indicam sítios arquelogógicos. Toda a zona era inensamente povoada de Mayas desde 1000 A.C. A principal cidade Maya da zona da nome a maior reserva de floresta tropical do México, Calakmul (Montes Adjacentes), está no meio de uma reserva de 1,5 milhões de hectares, possuía no seu auge um população de quase 300 mil pessoas e dominava a península de Yucatán pelo terror bélico e tinha como principal inimigo os Mayas de Tikal (Guatemala). Caíram em meados do ano 400 D.C. e se dispersaram por toda zona.
Se a maior cidade tinha essa população, e a zona estava cheia de cidades, um pouco menores, mas algumas de iguais proporções, se pode imaginar o impacto que causava tanta gente nessa floresta. Há teorias que propõem que a queda do império Maya se deve a um colapso ambiental da região. Provavelmente se derrubou quase toda a floresta da zona no apogeu dessa civilização. 1500 anos depois a floresta continua aí e agora regenerada e exuberante de novo. Mas ninguém sabe se ela realmente era assim antes, um dossel baixo, de no máximo 15 metros, nas zonas mais preservadas chega a um máximo de 25 metros.
Tive a sorte de visitar dois sítios arqueológicos da zona que estavam pelo nosso caminho. O primeiro que vi se chama Hochob (lugar em que se colhe o milho). Era uma espécie de entreposto agrícola, com sistema de canais de irrigação, armazéns de grãos, e obviamente algumas pirâmides pequenas onde se realizavam sacrifícios de escravos, típico. Entretanto tudo estava decorado com imagens de Deuses e datas festivas e de colheita e referências astronômicas. Um bonito lugar e um calor de rachar o quengo. O segundo foi a própria cidade de Calakmul, aí sim pude ter uma idéia mais real da dimensão dessa cultura. Num passeio rápido, pois não tínhamos muito tempo, pude ver uma pequena mais significativa parte da cidade que mandava e desmandava na zona. Uma praça do tamanho de um campo de futebol com um monte de pirâmides. Na maior, com uns 45 metros de altura, se via desde cima toda a zona, agora floresta e floresta a perder-se da vista. Daí se via outras pirâmides de longe, uma delas na Guatemala “El Mirador”. Daí se vê 360 graus de céu e terra, controle total. Todas as pirâmides tinham estátuas de governantes gravadas em pedra e datas importantes da história da cidade. Aí viviam 300 mil pessoas dedicadas ao plantio de milho, substância da qual acreditavam eram feitos os homens e dedicados à guerra, atividade não só política mas lúdica como sugere o “juego de pelota” que praticavam onde morriam os perdedores. Dá pra sentir o peso que traz esse lugar, é diferente de outras florestas em que a gente acredita que “ninguém pisou aqui antes”, nesse lugar há algumas centenas de anos nem havia floresta. A alma do lugar é pesada.
Andei por um dos “ejidos” visitando um lugar de interesse e fomos a uma zona que há um ano foi desmatada para pasto. Estava claro que era um sítio arqueológico, subimos num monte de pedras e terra que não parecia nada um monte natural, mas uma construção desmoronada. Daí se via uma linha de pedras e areia claramente reta como se fosse um muro. Por toda parte havia Mayas. Nessa mesma zona há um ano descobriram uma pirâmide e se continua descobrindo pirâmides todos os anos.
Vou estar muito contente de trabalhar numa região com tantos atrativos naturais e históricos como a Selva Maya. Depois vou tentar anexar umas fotos nesse blog para ilustrar esse lugar.
Selva Maya. Assim se chama a zona que compreende a península de Yucatán no México, Belize, Guatemala, parte de Honduras e El Salvador. Consiste no limite norte da floresta tropical nas Américas. Uma zona onde se desenvolveu a civilização pré-colombiana mais significativa da Mesoamérica. Uma civilização extremamente bélica, que se teve seu império e sua decadência devido a esse belicismo.
Visitei a zona da “Selva Maya” como parte de uma prospecção para meu trabalho de campo para o doutorado. Fui com um amigo que trabalha com as onças-pintadas da zona, conhece muito bem a região, trabalha aí há pelo menos 10 anos e já viu de tudo. Eu estou apenas começando a ter noção da significância desse lugar tão cheio de história, natural e humana (afinal assim se divide a história, infelizmente). Do avião podia ver o que há muito meus olhos não viam, kilômetros e kilômetros de floresta continua, um mar verde que somente tinha visto na Amazônia há quase três anos. A diferença básica é que desde o avião se viam ruínas mayas por todos os lados da floresta. Pirâmides se erguiam do meio da floresta como icebergs num mar verde.
Baixamos em Chetumal, capital do estado de Quintana Roo, México, fronteira com Belize, na costa caribenha mexicana. Uma enorme baía onde deságua o Rio Hondo que divide os dois países, zona de Mayas, piratas ingleses, lutas de conquista e com uma história complicada e difícil de compreender. Uma cidade menor que Caruaru, fundada há menos de 50 anos quando se criou artificialmente o estado para tirar território e poder político aos yucatecos, historicamente separatistas. A península de Yucatán copreende 3 estados Yucatán, Campeche e Quintana Roo onde 70% do território está coberto de floresta tropical super-biodiversa.
Começamos a andar pelas estradas da zona em busca de sítios prováveis para realizar meu estudo. Por toda a estrada dominam as florestas, umas perturbadas por agricultores locais que detêm a posse da terra na forma de “ejidos” que são uma espécie de cooperativa agrícola com uma mescla de terras privadas e terras comunais. Cada “ejido” pode ter desde poucas famílias até alguns milhares destas. É a reforma agrária mexicana! Puseram os sem-terra daqui em zonas florestais, isolados do mundo onde praticam basicamente a agricultura de subsistência, ou seja, coivara. Queima, corta, planta e abandona. Isso faz um duplo favor ao governo que cala a boca dos agricultores e derruba a floresta para cultivos incipientes e assim segue o desmatamento na zona.
Outra coisa que se faz notar pelas estradas são os sítios arqueológicos Mayas. A cada 10 minutos se pode ver placas que indicam sítios arquelogógicos. Toda a zona era inensamente povoada de Mayas desde 1000 A.C. A principal cidade Maya da zona da nome a maior reserva de floresta tropical do México, Calakmul (Montes Adjacentes), está no meio de uma reserva de 1,5 milhões de hectares, possuía no seu auge um população de quase 300 mil pessoas e dominava a península de Yucatán pelo terror bélico e tinha como principal inimigo os Mayas de Tikal (Guatemala). Caíram em meados do ano 400 D.C. e se dispersaram por toda zona.
Se a maior cidade tinha essa população, e a zona estava cheia de cidades, um pouco menores, mas algumas de iguais proporções, se pode imaginar o impacto que causava tanta gente nessa floresta. Há teorias que propõem que a queda do império Maya se deve a um colapso ambiental da região. Provavelmente se derrubou quase toda a floresta da zona no apogeu dessa civilização. 1500 anos depois a floresta continua aí e agora regenerada e exuberante de novo. Mas ninguém sabe se ela realmente era assim antes, um dossel baixo, de no máximo 15 metros, nas zonas mais preservadas chega a um máximo de 25 metros.
Tive a sorte de visitar dois sítios arqueológicos da zona que estavam pelo nosso caminho. O primeiro que vi se chama Hochob (lugar em que se colhe o milho). Era uma espécie de entreposto agrícola, com sistema de canais de irrigação, armazéns de grãos, e obviamente algumas pirâmides pequenas onde se realizavam sacrifícios de escravos, típico. Entretanto tudo estava decorado com imagens de Deuses e datas festivas e de colheita e referências astronômicas. Um bonito lugar e um calor de rachar o quengo. O segundo foi a própria cidade de Calakmul, aí sim pude ter uma idéia mais real da dimensão dessa cultura. Num passeio rápido, pois não tínhamos muito tempo, pude ver uma pequena mais significativa parte da cidade que mandava e desmandava na zona. Uma praça do tamanho de um campo de futebol com um monte de pirâmides. Na maior, com uns 45 metros de altura, se via desde cima toda a zona, agora floresta e floresta a perder-se da vista. Daí se via outras pirâmides de longe, uma delas na Guatemala “El Mirador”. Daí se vê 360 graus de céu e terra, controle total. Todas as pirâmides tinham estátuas de governantes gravadas em pedra e datas importantes da história da cidade. Aí viviam 300 mil pessoas dedicadas ao plantio de milho, substância da qual acreditavam eram feitos os homens e dedicados à guerra, atividade não só política mas lúdica como sugere o “juego de pelota” que praticavam onde morriam os perdedores. Dá pra sentir o peso que traz esse lugar, é diferente de outras florestas em que a gente acredita que “ninguém pisou aqui antes”, nesse lugar há algumas centenas de anos nem havia floresta. A alma do lugar é pesada.
Andei por um dos “ejidos” visitando um lugar de interesse e fomos a uma zona que há um ano foi desmatada para pasto. Estava claro que era um sítio arqueológico, subimos num monte de pedras e terra que não parecia nada um monte natural, mas uma construção desmoronada. Daí se via uma linha de pedras e areia claramente reta como se fosse um muro. Por toda parte havia Mayas. Nessa mesma zona há um ano descobriram uma pirâmide e se continua descobrindo pirâmides todos os anos.
Vou estar muito contente de trabalhar numa região com tantos atrativos naturais e históricos como a Selva Maya. Depois vou tentar anexar umas fotos nesse blog para ilustrar esse lugar.
quinta-feira, 23 de junho de 2005
Doutorado: só os loucos sobreviven!
Capítulo 1
Eu realmente não tinha idéia de como seria minha vida durante um doutorado. A boa experiência de um mestrado tranquilo e sem complicações me acostumou mal. Estava em Recife, na UFPE, praticamente nascido e criado aí. Pois é, querendo ou não a UFPE era um apêndice das Repúblicas Independentes do Engenho do Meio, minha nação. Até nisso era bom, ia e voltava andando pra casa e nem sentia.
Aqui no México a coisa é bem distinta. Vou contar aqui somente como foi meu primeiro semestre de aventuras por aqui. Pra começar, cheguei no dia 30 de julho em Tenochtitlán, nesse mesmo dia me reuní com meu orientador, que no dia seguinte se foi a Stanford, Gringolândia, para nunca mais voltar. Pronto! Fiquei órfano quando apenas havía chegado. Até aí tudo bem, minha boa experiência de mestrado na UFPE em que meu orinttador nos imponia um didático “te vira” foi muito boa. Sim era didático, pois o desenrolar das nossas teses foi praticamente feito por nós mesmos, com a supervisão e leitura dinâmica dos nossos escritos pelo nosso orientador a cada versão da papelada. Isso ajudou muito aqui no México. Os primeiros mêses foram ótimos, tudo novo, aulas, pessoas, palestras, áreas de conhecimento... menos orientador. No final do semestre passei na matéria que fiz com um singelo 9 e me dei por satisfeito. Tudo corria bem. Só que aí veio a montanha russa de emoções do doutorado.
Em novembro de 2004 tive aprovado meu projeto na íntegra no lugar onde queria executá-lo, Manaus. Ganhei dinheiro e apoio para tal, estava feito “pinto na merda”, contente de ter aprovado o projeto nos 4 primeiros mêses. Qual o quê? Era bom demais pra ser verdade. E quando eu já tinha comemorado e planejava para ir a Manaus começar a trabalhar, vem uma “muchacha” da Gringolândia, ou melhor, uma “bitch” mal comida desse país de cornos e super-estrelas e bota areia nos meus planos. Envia uma carta ao comitê de manejo do projeto e diz que o meu tema é parte de seu território científico e não aceita que eu execute meu projeto neste lugar pois ela havia chegado primeiro e não queria niguém fazendo nada disso lá. Pra encurtar o drama, depois de muita troca de cartas e diplomacia científica fomos derrotados no tribunal superior do comitê de manejo e tivemos que retirar o projeto. Voltamos à estaca zero. Detalhe, tudo isso sem orientador presente para que me desse assessoria.
Aparte a UNAM vence qualquer instituição pública brasileira em termos de burocracia. É papel em 4 vias, assinado por 3 pessoas distintas, cada uma em uma cidade; carimbos, cópias de passaporte autenticada, declaração de bolsa, legalização na embaixada; tradução até de pensamentos, comprovantes de residência, de resistência, de procedência, de paciência... Tudo isso para se inscrever na pós... todo semestre! Obviamente fiquei como louco andando atrás de tudo isso e evidentemente quando eu achava que tudo estava bem, completo, e legal.
- Falta uma assinatura em um desses 8 formulários e esse documento tem que ser carimbado na pró-reitoria de assuntos relacionado a estudantes extrangeiros em desespero.
- AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!
E depois de muita adrenalina consegui me inscrever, mas faltavam ainda um par de assinaturas de funcionários fantasmas que não encontrei nem por mágica.
Mas as emoções continuam e são ainda maiores no primeiro semestre desse ano. Mas isso fica pra um próximo capítulo da saga “Doutorado: só os loucos sobrevivem.”
Eu realmente não tinha idéia de como seria minha vida durante um doutorado. A boa experiência de um mestrado tranquilo e sem complicações me acostumou mal. Estava em Recife, na UFPE, praticamente nascido e criado aí. Pois é, querendo ou não a UFPE era um apêndice das Repúblicas Independentes do Engenho do Meio, minha nação. Até nisso era bom, ia e voltava andando pra casa e nem sentia.
Aqui no México a coisa é bem distinta. Vou contar aqui somente como foi meu primeiro semestre de aventuras por aqui. Pra começar, cheguei no dia 30 de julho em Tenochtitlán, nesse mesmo dia me reuní com meu orientador, que no dia seguinte se foi a Stanford, Gringolândia, para nunca mais voltar. Pronto! Fiquei órfano quando apenas havía chegado. Até aí tudo bem, minha boa experiência de mestrado na UFPE em que meu orinttador nos imponia um didático “te vira” foi muito boa. Sim era didático, pois o desenrolar das nossas teses foi praticamente feito por nós mesmos, com a supervisão e leitura dinâmica dos nossos escritos pelo nosso orientador a cada versão da papelada. Isso ajudou muito aqui no México. Os primeiros mêses foram ótimos, tudo novo, aulas, pessoas, palestras, áreas de conhecimento... menos orientador. No final do semestre passei na matéria que fiz com um singelo 9 e me dei por satisfeito. Tudo corria bem. Só que aí veio a montanha russa de emoções do doutorado.
Em novembro de 2004 tive aprovado meu projeto na íntegra no lugar onde queria executá-lo, Manaus. Ganhei dinheiro e apoio para tal, estava feito “pinto na merda”, contente de ter aprovado o projeto nos 4 primeiros mêses. Qual o quê? Era bom demais pra ser verdade. E quando eu já tinha comemorado e planejava para ir a Manaus começar a trabalhar, vem uma “muchacha” da Gringolândia, ou melhor, uma “bitch” mal comida desse país de cornos e super-estrelas e bota areia nos meus planos. Envia uma carta ao comitê de manejo do projeto e diz que o meu tema é parte de seu território científico e não aceita que eu execute meu projeto neste lugar pois ela havia chegado primeiro e não queria niguém fazendo nada disso lá. Pra encurtar o drama, depois de muita troca de cartas e diplomacia científica fomos derrotados no tribunal superior do comitê de manejo e tivemos que retirar o projeto. Voltamos à estaca zero. Detalhe, tudo isso sem orientador presente para que me desse assessoria.
Aparte a UNAM vence qualquer instituição pública brasileira em termos de burocracia. É papel em 4 vias, assinado por 3 pessoas distintas, cada uma em uma cidade; carimbos, cópias de passaporte autenticada, declaração de bolsa, legalização na embaixada; tradução até de pensamentos, comprovantes de residência, de resistência, de procedência, de paciência... Tudo isso para se inscrever na pós... todo semestre! Obviamente fiquei como louco andando atrás de tudo isso e evidentemente quando eu achava que tudo estava bem, completo, e legal.
- Falta uma assinatura em um desses 8 formulários e esse documento tem que ser carimbado na pró-reitoria de assuntos relacionado a estudantes extrangeiros em desespero.
- AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!
E depois de muita adrenalina consegui me inscrever, mas faltavam ainda um par de assinaturas de funcionários fantasmas que não encontrei nem por mágica.
Mas as emoções continuam e são ainda maiores no primeiro semestre desse ano. Mas isso fica pra um próximo capítulo da saga “Doutorado: só os loucos sobrevivem.”
quarta-feira, 11 de maio de 2005
O valor das coisas e a crise da conservação.
Entre gostar da natureza, estudar biologia e fazer conservação vai uma distância um pouco grande e complicada de recorrer. Os serviços ambientais prestados gratuitamente pela natureza a nós seres humanos se vêm ameaçados por práticas de “desenvolvimento” predatórias e ineficazes. Por outro lado os que tentam alertar o mundo sobre as conseqüências catastróficas de nosso modelo de vida, são tachados de anti-desenvolvimentistas e “verdinhos” que amam as baleias. Eu sou um verdinho que ama as baleias. Quando penso que a evolução gerou um mamífero de dezenas de metros de comprimento e algumas toneladas, que viaja milhares de kilômetros para comer, e outros milhares para transar e ter filhos. Que se move indiferente, nadando ao lado de barcos que os caçam, quando poderiam submergir e desaparecer por horas; consigo ver algo de mágico, de admirável, e por que não, apaixonante nesses bichos.
Na verdade creio que esse é o problema, já não se vê nada de mágico na natureza. O racionalismo iluminista com seu afã de explicar, compreender, ter sob controle da razão tudo que há no mundo, extirpou de qualquer significado ontológico as coisas vivas e não vivas. Atribuir valor econômico é a regra. As florestas, as águas, o solo, o ar, as baleias... tudo tem seu valor econômico. Recorde-se que comecei essa reflexão falando dos serviços ambientais que a natureza nos presta gratuitamente. As florestas mantêm o clima da terra estável, evitam inundações, captam o carbono que emitimos toda vez que respiramos ou que andamos de ônibus. As águas irrigam as plantações que nos alimentam, sem falar das espécies em geral, que mesmo sem a gente saber mantém em ordem os ecossistemas que nos prestam gratuitamente esses serviços. Pois é, entre os conservacionistas, a estratégia agora é convencer a sociedade através dos serviços ambientais prestados pelas áreas naturais. Dessa maneira se fazem cálculos de quanto se gastaria por exemplo, para tratar toda a água de Nova Iorque, que há algum tempo atrás estava bastante contaminada por coliformes fecais (cocô mesmo). Construir uma rede complexa de tratamento de água sairia caríssimo e complicado. Por outro lado, quanto se gastaria em reflorestar toda a bacia que abastece essa cidade e desapropriar algumas fazendas de gado ribeirinhas? Evidentemente saiu muito mais barato reflorestar a área e deixar que a natureza fizesse seu papel purificando a água “gratuitamente”. Hoje Nova Iorque, apesar do tamanho, tem uma das águas mais limpas do mundo. Quanto se gastaria em irrigar todas as lavouras de soja do Brasil central? Não quero nem pensar, mas as chuvas provenientes da evapotranspiração da Amazônia o fazem “de graça”. O Rio Amazonas é tão forte que desvia uma corrente marinha tropical até a Europa, por isso, em mesmas latitudes na América do Norte, aonde não chega corrente marinha tropical nenhuma, as temperaturas são muito mais baixas (vide os invernos canadenses). Quanto custaria aos europeus uma mudança climática? Dá até medo pensar!
Dessa maneira, até os conservacionistas que amam as baleias, contribuem com a valoração econômica da natureza. É uma guerra desleal, não há muito tempo para reeducar as pessoas a verem o mundo natural, esse espectro há muito separado do real, de maneira mais... mística. O valor natural das coisas vivas e não vivas não está contemplado nos modelos que agora explicam a realidade. O racionalismo moderno vê o mundo através de modelos matemáticos, teóricos, econômicos, que pela própria idiossincrasia dos modelos, têm que ser simples e parcimoniosos. Quem estuda alguma ciência exata sabe do que estou falando. Modelos têm que ser simples e explicativos. A racionalidade se apropriou da natureza, do seu valor intrínseco, até mesmo da sua magia. Assim fomos educados, “utilitarizando” tudo ao nosso redor. E já que tudo tem seu valor (econômico), exploramos predatoriamente o que seja, até as minhocas, até as abelhas. Sim, e não estou falando de mel não, estou falando de empresas contratadas para levar alguns caminhões carregados de colméias a uma plantação de qualquer coisa e solta-las aí por alguns dias para que façam o trabalho de polinizar as plantas. É sim, o feijãozinho gostoso do almoço foi produzido por polinização. Mas em alguns lugares do mundo as abelhinhas nativas estão sendo extintas pelos pesticidas. E sem abelhinha não há feijão.
Não sou dos neo-hippies que querem voltar a plantar o que comem, não me importo em comprar meu feijão no supermercado. Mas sinto um prazer muito grande em passear por uma floresta, em trabalhar nela também. Acho que as espécies têm seu direito inerente de existir, consigo admirar e porque não adorar a uma sapucaia de 50 metros de altura e com certeza algumas centenas de anos (no mínimo). Vejo algo de místico em andar de barco pelo Amazonas e não ver margem de ambos os lados. Não quero educar aos meus filhos para que olhem para uma floresta e vejam “serviços ambientais gratuitos”. Prefiro que vejam uma árvore velha, que é testemunha de eras e eras, como os Ents de Tolkien. Que vejam um rio-mar, que guarda coisas inimagináveis embaixo de suas águas. Que vejam uma baleia como uma criatura realmente amável, tão grande e tão inofensiva. Mas enquanto não se educa crianças assim, somos forçados a falar economês, a fazer cálculos de “serviços ambientais gratuitos”, a vender créditos de emissão de carbono ao primeiro-mundo industrializado. Quem sabe assim, nos sobre algo do que reapropriar-se para dar um sentido outro qualquer, deificar, desfrutar, contemplar, dar nenhum sentido que não o de um mesmo.
Na verdade creio que esse é o problema, já não se vê nada de mágico na natureza. O racionalismo iluminista com seu afã de explicar, compreender, ter sob controle da razão tudo que há no mundo, extirpou de qualquer significado ontológico as coisas vivas e não vivas. Atribuir valor econômico é a regra. As florestas, as águas, o solo, o ar, as baleias... tudo tem seu valor econômico. Recorde-se que comecei essa reflexão falando dos serviços ambientais que a natureza nos presta gratuitamente. As florestas mantêm o clima da terra estável, evitam inundações, captam o carbono que emitimos toda vez que respiramos ou que andamos de ônibus. As águas irrigam as plantações que nos alimentam, sem falar das espécies em geral, que mesmo sem a gente saber mantém em ordem os ecossistemas que nos prestam gratuitamente esses serviços. Pois é, entre os conservacionistas, a estratégia agora é convencer a sociedade através dos serviços ambientais prestados pelas áreas naturais. Dessa maneira se fazem cálculos de quanto se gastaria por exemplo, para tratar toda a água de Nova Iorque, que há algum tempo atrás estava bastante contaminada por coliformes fecais (cocô mesmo). Construir uma rede complexa de tratamento de água sairia caríssimo e complicado. Por outro lado, quanto se gastaria em reflorestar toda a bacia que abastece essa cidade e desapropriar algumas fazendas de gado ribeirinhas? Evidentemente saiu muito mais barato reflorestar a área e deixar que a natureza fizesse seu papel purificando a água “gratuitamente”. Hoje Nova Iorque, apesar do tamanho, tem uma das águas mais limpas do mundo. Quanto se gastaria em irrigar todas as lavouras de soja do Brasil central? Não quero nem pensar, mas as chuvas provenientes da evapotranspiração da Amazônia o fazem “de graça”. O Rio Amazonas é tão forte que desvia uma corrente marinha tropical até a Europa, por isso, em mesmas latitudes na América do Norte, aonde não chega corrente marinha tropical nenhuma, as temperaturas são muito mais baixas (vide os invernos canadenses). Quanto custaria aos europeus uma mudança climática? Dá até medo pensar!
Dessa maneira, até os conservacionistas que amam as baleias, contribuem com a valoração econômica da natureza. É uma guerra desleal, não há muito tempo para reeducar as pessoas a verem o mundo natural, esse espectro há muito separado do real, de maneira mais... mística. O valor natural das coisas vivas e não vivas não está contemplado nos modelos que agora explicam a realidade. O racionalismo moderno vê o mundo através de modelos matemáticos, teóricos, econômicos, que pela própria idiossincrasia dos modelos, têm que ser simples e parcimoniosos. Quem estuda alguma ciência exata sabe do que estou falando. Modelos têm que ser simples e explicativos. A racionalidade se apropriou da natureza, do seu valor intrínseco, até mesmo da sua magia. Assim fomos educados, “utilitarizando” tudo ao nosso redor. E já que tudo tem seu valor (econômico), exploramos predatoriamente o que seja, até as minhocas, até as abelhas. Sim, e não estou falando de mel não, estou falando de empresas contratadas para levar alguns caminhões carregados de colméias a uma plantação de qualquer coisa e solta-las aí por alguns dias para que façam o trabalho de polinizar as plantas. É sim, o feijãozinho gostoso do almoço foi produzido por polinização. Mas em alguns lugares do mundo as abelhinhas nativas estão sendo extintas pelos pesticidas. E sem abelhinha não há feijão.
Não sou dos neo-hippies que querem voltar a plantar o que comem, não me importo em comprar meu feijão no supermercado. Mas sinto um prazer muito grande em passear por uma floresta, em trabalhar nela também. Acho que as espécies têm seu direito inerente de existir, consigo admirar e porque não adorar a uma sapucaia de 50 metros de altura e com certeza algumas centenas de anos (no mínimo). Vejo algo de místico em andar de barco pelo Amazonas e não ver margem de ambos os lados. Não quero educar aos meus filhos para que olhem para uma floresta e vejam “serviços ambientais gratuitos”. Prefiro que vejam uma árvore velha, que é testemunha de eras e eras, como os Ents de Tolkien. Que vejam um rio-mar, que guarda coisas inimagináveis embaixo de suas águas. Que vejam uma baleia como uma criatura realmente amável, tão grande e tão inofensiva. Mas enquanto não se educa crianças assim, somos forçados a falar economês, a fazer cálculos de “serviços ambientais gratuitos”, a vender créditos de emissão de carbono ao primeiro-mundo industrializado. Quem sabe assim, nos sobre algo do que reapropriar-se para dar um sentido outro qualquer, deificar, desfrutar, contemplar, dar nenhum sentido que não o de um mesmo.
quarta-feira, 30 de março de 2005
Eu gosto é de comer com as mãos!
É impossível para mim. Sempre faço algumas comparações, algumas até maldosas, quando convivo o suficiente com os estadunidenses. Bastam alguns dias para que eu comece a ver que realmente são criaturas muito estranhas esses gringos. Aqui estou eu, na estação de LosTuxtlas, aproveitando a passagem do meu orientador pelo México para terminar umas coisas pendentes. Pois é, o “hijo de puta” está em Stanford em seu ano sabatino e creio que deve ficar por lá. Bom mas isso é outro assunto. O fato é que o motivo de sua vinda ao México foi um curso de campo de ecologia que ele ofereceu para os gringos de Stanford. Pois bem, cheguei no meio do curso com a intenção de aproveitar sua presença e escrever e discutir umas coisas. Foi ótimo, ele me ajudou muito, discutimos e tiramos muita onda com os gringos tabacudos. Durante as horas vagas saí a campo para ajudar a gringalhada em seus projetos. Lembrei do filme de Olímpio e CIA, pois os tabacudos pareciam verdadeiros GI-Joes (Comandos em Ação) cheios de parafernálias próprias para explorações arriscadas nas terras remotas e selvagens dos trópicos. Bom, até aí foi divertido, aperfeiçoei meu inglês macarrônico e dei umas voltas em lugares da reserva de Los Tuxtlas que não conhecia. Entretanto, depois de 3 dias de convivência com alunos de graduação em biologia de Stanford que pagam 60 mil dólares anuais (ufa!), tomei um abuso tremendo dessa gente. Um dia estava eu um pouco entediado de estar horas escrevendo trancado no meu quarto. Bom, desci do meu quarto e fui ao encontro de uns quatro gringos que trabalhavam num dos laboratórios medindo folhas e contando bichinhos, sei lá. Comecei oferecendo-lhes ajuda para qualquer coisa que fosse.
- No, Thanks!-
E um sorriso cor de barro. Estive como meia hora tentando puxar assunto com eles.
- Oh, really?-
Outro sorriso amarelo. Desisti e fui ao encontro de chinês-gringo, filho de imigrantes, que era o único não biólogo do grupo. O cara estudava computação e está desenvolvendo uma caneta mágica que guarda as informações que tomamos no campo. Tecnologia espacial, pouco funcional e cheia de fricote. Estava ele sentado na frente de um dos quartos, com seu computadorzinho no colo.
- ¡Hola Ron!-
Outro sorriso amarelo, e uma escapada pela direita alegando que os mosquitos lhe molestavam muito ali naquele lugar. Porra, estamos numa estação biológica dentro da floresta! Como não vai ter mosquito?
No dia seguinte duas gringas foram vítimas da vingança de Moctezuma. Foram para no hospital com gaganeira.
- Fucking food, made by hands.-
Referia-se às tortilhas que são feitas a mão. Pois é, para quem só come comida de plástico qualquer coisa que não seja ensacada, esterilizada e com conservantes pode causar danos sérios à pança. Moctezuma venceu!
No último dia foi uma comédia na hora do almoço. Serviram-nos galinha guisada com arroz e ervilhas, e claro, tortilhas. Estava uma delícia. Então começou a paranóia entre os gringos. Como comer a galinha guisada sem usar as mãos? Usando as tortilhas é claro. Mas essas são feitas a mão e podem contaminar minha pançinha de porcelana. Aí fudeu, só tem uma saída, eu disse em espanhol...
-Coman com las manos-
Evidentemente eles não concebiam a idéia de comer galinha guisada com as mãos então começaram a difícil tarefa de comer a galinha com garfos e facas. Os mais hábeis tiveram alguns sucessos, mas a maioria deixou 50% da galinha que estava pegada ao osso. Enquanto isso eu dois amigos mexicanos nos deliciávamos roendo os ossos e chupando o tutano.
Mas o pior foi quando eles assistiram a uma apresentação sobre a Doença de Chagas, que uma compatriota sua está estudando aqui em Los Tuxtlas. Puta, quando eles descobriram que aqui é hábitat do percevejo barbeiro e que na verdade a distribuição da espécie chega até o sul dos EUA, pronto, foi um pânico geral. Todo inseto que se via poderia ser um barbeiro. Um das meninas até mandou um e-mail pra mãe perguntando se ela já havia visto um inseto assim-assado pela casa dela que fica justo nos sul dos EUA e na zona de distribuição do inseto. Que comédia, ver esses gringos assim.
Pois é, mas enquanto eu faço piadas de mau gosto com eles, eles seguem fudendo o mundo sem pudor algum. Talvez por isso eu goste tanto de perceber essas coisas neles e sempre que posso, faço umas piadas depreciativas a seu respeito. É uma maneira de descontar minha raiva, minha indignação. Mas na verdade, sendo brasileiro e vivendo no México posso ver como são arrogantes esses gringos. Foram embora na segunda de manhã, de regresso às suas casas e sua universidade de 60 mil dólares/ano. Saíram daqui como provavelmente entraram, sem dar uma palavra com ninguém. Um adeus se quer a cozinheira Doña Antonia, que lhes serviu a comida todos os dias e que até preparou sopinha e comidinha leve para as vítimas de Moctezuma. Nem um “bye” a Miguel que limpava as privadas imundas resultantes dos desarranjos intestinais. Nem um “adiós” a mim, um simples estudante latino que lhes deu de presente uma idéia para seu projeto e servia de intérprete entre eles e cozinheira todos os dias. Mas é assim, somos muito diferentes, e eu, gosto mesmo é de comer com as mãos!
- No, Thanks!-
E um sorriso cor de barro. Estive como meia hora tentando puxar assunto com eles.
- Oh, really?-
Outro sorriso amarelo. Desisti e fui ao encontro de chinês-gringo, filho de imigrantes, que era o único não biólogo do grupo. O cara estudava computação e está desenvolvendo uma caneta mágica que guarda as informações que tomamos no campo. Tecnologia espacial, pouco funcional e cheia de fricote. Estava ele sentado na frente de um dos quartos, com seu computadorzinho no colo.
- ¡Hola Ron!-
Outro sorriso amarelo, e uma escapada pela direita alegando que os mosquitos lhe molestavam muito ali naquele lugar. Porra, estamos numa estação biológica dentro da floresta! Como não vai ter mosquito?
No dia seguinte duas gringas foram vítimas da vingança de Moctezuma. Foram para no hospital com gaganeira.
- Fucking food, made by hands.-
Referia-se às tortilhas que são feitas a mão. Pois é, para quem só come comida de plástico qualquer coisa que não seja ensacada, esterilizada e com conservantes pode causar danos sérios à pança. Moctezuma venceu!
No último dia foi uma comédia na hora do almoço. Serviram-nos galinha guisada com arroz e ervilhas, e claro, tortilhas. Estava uma delícia. Então começou a paranóia entre os gringos. Como comer a galinha guisada sem usar as mãos? Usando as tortilhas é claro. Mas essas são feitas a mão e podem contaminar minha pançinha de porcelana. Aí fudeu, só tem uma saída, eu disse em espanhol...
-Coman com las manos-
Evidentemente eles não concebiam a idéia de comer galinha guisada com as mãos então começaram a difícil tarefa de comer a galinha com garfos e facas. Os mais hábeis tiveram alguns sucessos, mas a maioria deixou 50% da galinha que estava pegada ao osso. Enquanto isso eu dois amigos mexicanos nos deliciávamos roendo os ossos e chupando o tutano.
Mas o pior foi quando eles assistiram a uma apresentação sobre a Doença de Chagas, que uma compatriota sua está estudando aqui em Los Tuxtlas. Puta, quando eles descobriram que aqui é hábitat do percevejo barbeiro e que na verdade a distribuição da espécie chega até o sul dos EUA, pronto, foi um pânico geral. Todo inseto que se via poderia ser um barbeiro. Um das meninas até mandou um e-mail pra mãe perguntando se ela já havia visto um inseto assim-assado pela casa dela que fica justo nos sul dos EUA e na zona de distribuição do inseto. Que comédia, ver esses gringos assim.
Pois é, mas enquanto eu faço piadas de mau gosto com eles, eles seguem fudendo o mundo sem pudor algum. Talvez por isso eu goste tanto de perceber essas coisas neles e sempre que posso, faço umas piadas depreciativas a seu respeito. É uma maneira de descontar minha raiva, minha indignação. Mas na verdade, sendo brasileiro e vivendo no México posso ver como são arrogantes esses gringos. Foram embora na segunda de manhã, de regresso às suas casas e sua universidade de 60 mil dólares/ano. Saíram daqui como provavelmente entraram, sem dar uma palavra com ninguém. Um adeus se quer a cozinheira Doña Antonia, que lhes serviu a comida todos os dias e que até preparou sopinha e comidinha leve para as vítimas de Moctezuma. Nem um “bye” a Miguel que limpava as privadas imundas resultantes dos desarranjos intestinais. Nem um “adiós” a mim, um simples estudante latino que lhes deu de presente uma idéia para seu projeto e servia de intérprete entre eles e cozinheira todos os dias. Mas é assim, somos muito diferentes, e eu, gosto mesmo é de comer com as mãos!
domingo, 27 de fevereiro de 2005
Sobre a chegada em Tenochtitlán
Amanhecia e o avião estava se aproximando do vale do México, uma faixa larga de uns 70 Km de largura por algumas centenas de comprimento, bem no meio da Sierra Madre. Pela primeira vez eu vi neve ao vivo, estava na cima dos vulcões Popocatepetl e Iztaciuatl, o primeiro ainda ativo. De repente quando o avião passa pelos vulcões, aparece a Cidade do México, uma extensão de concreto que se perdia da minha vista de tão grande, ou talvez pela poluição do ar. Esse lugar parce haver sido destinado para ser a maior cidade do mundo desde muito tempo atrás. Quando chegou Hernán Cortez em Tenochtitlán a 500 anos atrás, viviam 200 mil pessoas nesse lugar. Uma cidade de maiores proporções que a maioria das cidades européias daquela época. Hoje são cerca de 20 milhões. É o caos mais bem organizado que já ví.
Os antes nômades aztecas chegaram à esse lugar e viram cumprida uma antiga profecia. Uma enorme águia devorava uma serpente encima de um nopal. Reconhecido o sinal, numa ilha localizada na margem norte do raso lago Texcoco que cobria grande parte da planície desse vale começou-se a erguer a capital de uma das mais importantes civilizações pré-colombianas.
Hoje, por trás dos vulcões, um mar urbano cobre as terras, ou águas, roubadas do lago. O que antes era uma cidade no meio de um lago, agora é uma pequena poça de água suja no meio de uma selva de pedra. Ar poluído, trânsito louco, ruídos familiares de uma selva cinzenta. Mas os rostos, esses sim são os mesmos de antes, feições indígenas por todos os lados. Nas primeiras andanças algo muito similar, barracas nas calçadas, cheiros e sons mesclados num caos já bem familiar a um recifense. A pobreza, igualmente avassaladora roubando a dignidade dos antigos donos dessa terra. É uma sensação esquisita ver a uma mulher nahuatl sentada nas escadas do metrô com seu filho menor dormindo num “reboso” e o maiorzinho tocando uma sanfona, uma mistura de beleza e decadência fruto de mais uma das igualmente injustas sociedades latinoamericanas.
Outro aspecto marcadamente familiar no México é a amabilidade das pessoas, o humor, o gosto pelo toque, apertos de mão, abraços, beijos são igualmente comuns aqui. Comecei a dar-me conta de que somos mais parecidos do que imaginávamos. Pena que a proximidade com a Gringolândia já tenha influenciado demais os governantes corruptos daqui. Não se pode consumir álcool na rua, e durante uma festa popular na praça as pessoas não podem tomar sua tequila ou sua cerveja. É a caretiçe anglo-saxôna que tenta se impor por aqui. É ridículo ver um povo tão alegre e festivo não poder desfrutar de sua bebida preferida na rua. Centenas de Mcrefeições e similares em cada esquina tentam mas não conseguem ganhar a preferência dos mexicanos aos “tacos” imundos, enchiladíssimos e saborosos das barracas de rua. Lembro dos espetinhos, macaxeira com charque e etc...
Aos poucos me convenço de que a separação da américa latina é um erro, é uma farsa, somos mais parecidos entre nós latinoamericanos, apesar de diferentes mesclas conquistadores-conquistados que entre nós e nossas respectivas “metrópoles”. Mas parece que de manera cega seguimos querendo ser “europeófilos” ou “estadunidensófilos”. Tomo emprestadas palavras de Gabriel G. Marques que ao ser premiado com o nobel de literatura disse: “Deixem-nos ser como somos, se estamos errados queremos nós mesmos descobrir”.
Agora pela primeira vez, estou reconhecendo-me como um latinoamericano e sei que relamente existe esse sentimento, essa identidade por que a reconheço, a vejo o muito clara e que não é uma criação dos intelectuais de esquerda dos anos sessenta. ¡VIVA LATINOAMÉRICA!
Felipe Melo
Assinar:
Postagens (Atom)