quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Singular

Ao final, o homem é só
Em singular idiossincrasia
Exclusiva particularidade
De um gênero monotípico
Filho único de Deus, e só.

Habitante solitário
De um planeta perfeito
Do qual é único dono 
Gerente e consumidor,
Déspota primeiro, e senhor.

Talvez por isso seja tão,
Diverso e diferente, de tudo
Preenchido por órgãos
De funções distintas e quentes
Ávido por mais que o mundo.

Um jogral ridículo e repetido
Há tanto tempo quanto a vida
Vítima da cilada eterna que é a mente
Incompreensível é diferente



quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Tempo em final de tempo

Insistindo na minha veia filosófica ou antropóloga fico pensando sobre porque somos tão afeitos aos ciclos, alguns deles não tão evidentes quanto a noite e o dia. O ano, por exemplo, é algo que sempre me pareceu difícil de entender. Anos com 365 dias, às vezes 366 divididos em 12 meses, alguns com 30 dias outros com 31, e ainda um mês esquizofrênico de 28 ou 29 dias. Desde criança me parecia algo pouco intuitivo, ainda que como criança, só me preocupava a mudança entre aulas e férias, que também não seguia um ritmo perfeito e balanceado (sempre mais aulas que férias me parecia injusto). Pois bem, hoje aos 33 anos fico cada vez mais averso aos ciclos que não entendo. Talvez meu aniversário ainda me pareça algo importante, pois apesar de ser contado através desses anos e meses malucos, sinto que fiz 29, 30, 31, 32, 33... É um ciclo mais palpável. Agora, essas tal festas de fim de ano são um verdadeiro pé-no-saco. Não vou gastar muitas palavras aqui comentando o consumismo e a cordialidade de "boas festas" porque isso já tá cheio por aí afora.

Quando criança, gostava de Natal porque via meus primos, gostava de ano-novo porque ia à praia, geralmente acampando com minha mãe e irmã. Quando adolescente, era a justificativa para o porre de quem só podia beber com o consentimento dos pais nessas datas. Dia 25 de dezembro, por exemplo, ficava achando estranho que fazia um calor infernal em Recife e na TV e cinema era neve pra todo lado. Isso me frustrava, confesso. A mesma coisa acontecia no dia 1 de janeiro, quando tudo pareceria começar de novo, era na verdade uma continuação de ontem. Aos 33 anos, cada dia parece mais a continuação de outro, um moto contínuo.

E porque danado pensamos tanto em ciclos? Deve ser uma função adaptativa selecionada por milênios de evolução da mente. As culturas que contavam tempo, em seus diverso níveis, compreendiam melhor a natureza e tinham mais sucesso (se reproduziam mais). Trazemos isso até hoje. Se eu morasse numa tribo Amazônica talvez pensasse que o ano acabava depois da cheia dos rios. Faria todo o sentido. Se fosse cristão, talvez achasse algum sentido num calendário baseado na minha religião e desejasse feliz natal. Se fosse judeu, estaria reclamando de tanto feriado porque pra mim já se iriam alguns 5 mil anos e nem seria dezembro. Quais os ciclos da minha vida então? Carnaval marca um deles, sério, e aniversário ainda tem algum sentido. O resto é moto contínuo... dia após noite, ou seria o contrário? Mudanças não se dão assim, de um dia para outro, ainda que desejássemos. E desejamos, ora. Como se no dia 1, pimba, deixei meus vícios, minhas virtudes se engrandeceram, meus defeitos estão no passado dia 31. No fundo todos sabemos que não é assim, mas ainda repetimos esse ritual inútil a cada ano, como para não esquecer da esperança de mudança súbita. É o simulacro da redenção, do dia da salvação... O desejo profundo que tudo se transforme de pronto.
Esse texto é um horroroso ensaio matinal de filosofia barata.

Tudo leva tempo... precisa tempo...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Bicho

O ataque preciso me encontra indefeso
Sem tempo para reações pensadas, viro bicho
Que em defesa fere, sem intenção mais que ferir
Num espasmo de ancestralidade, broto do chão
Numa velocidade que nem sei, furando, rasgando.
Até que retorno ao meu útero próprio
Emaranhado em água e sangue e tripas
Ali me escondo entre raízes finas
Minha toca oculta, proteção primitiva
Esconderijo eterno dos monstros que me habitam.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Conservar ou desenvolver? Eis a falsa questão que domina os debates sobre Belo Monte.


É sempre salutar um bom debate sobre o desenvolvimento de um país, sobretudo se esse país é o Brasil. Não por ser meu lar, mas porque aqui no Brasil os debates públicos costumam receber uma boa "mão de tinta" da imprensa conservadora que se esforça para definir de maneira maniqueísta os dois lados do debate. Pois bem, quando esse debate envolve questões ambientais que estão em conflito aparente com o desenvolvimento os argumentos quase sempre são impressionantemente equivocados.

Assim como a maioria dos debates ambientais, a argumentação acerca de Belo Monte divide opiniões entre: ambientalistas e desenvolvimentistas pois assim fica fácil polarizar e ventilar o debate. Os argumentos ambientalistas quase sempre são em favor da sacralidade da natureza, inclua-se aí os Índios, que têm sido usados como bode expiatório para dar base de apoio àqueles que são contra a construção dessa UHE. Pergunto-me porque os ativistas de internet tão preocupados com os Índios não fizeram abaixo-assinado pela criação da Raposa-Terra do Sol. O sagrado contido na nossa visão da natureza, não dá pra negar, é um valor arraigado em nossa sociedade. Ninguém em sã consciência defende que se trate a natureza com desdém, como ninguém advoga pelo desenvolvimento predatório. Construir um monstro gerador de energia elétrica na volta grande do Xingu num lugar chamado Belo Monte só pode ser portanto alguma artimanha dos demônios que obsessivamente ocupam os corpos dos nossos políticos e querem acabar com a "obra divina" da natureza. Ainda mais se nesse pedaço de natureza existem Índios, afinal eles são pessoas como todos os ativistas do facebook cujos copos de indignação já estão esborrando por mais essa gota d'água. Desta forma, o argumento anti-UHE Belo Monte ganha ares humanitários, qualidade que obviamente todos queremos (ou queremos ter). Quando um discurso assim, recebe uma conta monetária que será paga por empréstimos do BNDES então atinge a indignação, que por definição precisa ter alvo e esse é o governo. Dessa forma um discurso supostamente ambientalista (que é do bem, claro) ganha ares humanitários e de responsabilidade com o dinheiro público. Perfeito, imbatível, quem ousa ser contra?

Do lado desenvolvimentista, os argumentos giram em torno do tecnicismo e importância social. Pode-se recorrer à inúmeras estatísticas e fatos que advogam pela necessidade e viabilidade técnica da UHE Belo Monte. Sua eficiência altíssima (sim, porque é realmente altíssima a geração de MW/h pelo tamanho do lago), a necessidade energética do país que cresce acima da média do mundo (https://ben.epe.gov.br/) e isso não é exclusividade do Brasil, mas dos BRICS como um todo. Dá pra ser diferente? Não mesmo, porque para se ter emprego, dinheiro, economia moendo (leia-se coisas sendo fabricadas e gente comprando essas coisas) precisamos de energia em abundância e barata, o governo sabe disso. Agora, aqueles que defendem a UHE Belo Monte se excedem ridiculamente no maniqueísmo neoimperialista, sugerindo que toda a campanha contra a UHE Belo Monte é uma artimanha também de demônios incorporados em ambientalistas internacionais e ONGs que manipulam os bem intencionados artistas globais e seus telespectadores inocentes.

Assim se repete cada debate no Brasil, como as questões relativas ao aborto, legalização das drogas, ocupação da reitoria da USP, etc, etc, etc. São debates que giram em torno de argumentos como má intenção, catástrofe, cinismo e por aí vai. É sempre o bem contra o mal, sem as verdades de cada lado.

A UHE Belo Monte é uma realidade distante de mim e da maioria dos brasileiros que estão facebookianamente engajados na luta contra essa obra. Mas um ponto crucial precisa ser posto na mesa e tem talvez sido deliberadamente evitado por ambas partes. Precisamos planejar nosso território, sua ocupação, sua conservação e seu uso e exploração. A Amazônia é talvez a única região do Brasil onde nossas experiências de ocupação e uso do território ainda possam ser planejadas desde o início (excluindo-se os quase 25% já perdidos para o desenvolvimento predatório, por falta de ativistas facebookianos, certamente), porque no restante do nosso território já cometemos todos os erros que podíamos, e até nos excedemos. Basta ver nossas cidades, a Mata Atlântica reduzida a míseros 11%, fragmentados e sob constante ameaça, a Caatinga e seus homens e mulheres, abandonados à própria sorte e desertificação. O Cerrado já virou, quase todo, um grande campo de soja, que alimenta os porcos da China (cujo rebanho aumenta fortemente) mas mantém nossa balança comercial no verde. O novo código florestal não ganhou tanta repercussão, apesar de influenciar de maneira infinitamente maior o nosso futuro como país. Será porque os artistas globais e ativistas de internet não entendem os porquês? Não há informação disponível sobre isso? Sim, há, inclusive artistas gostosas e galãs de malhação estão engajados (http://www.florestafazadiferenca.com.br/home/). Até a globo está engajada, na alteração do código claro. Inclusive está fazendo uma série de reportagens sobre o assunto no JN essa semana. A primeira já falou que o código atual precisa de mudanças porque é velho. Pois é, a proibição da maconha também é velha, mas ninguém usa esses argumentos.

E para não parecer que estou "encima do muro", sou a favor da construção da UHE Belo Monte, porque acho que ela pode ser um exemplo de como o desenvolvimento pode ser conciliado com a o sentimento de sacralidade da natureza. Será um desafio para nossa sociedade e ciência, construir uma usina que tem uma das menores razões km²/MW gerado, apenas 0,05. Fazê-lo respeitando todas as condicionantes ambientais e sociais e finalmente servir como exemplo de UHE na Amazônia, diferente do desastre que é a UHE de Balbina no Amazonas.

Desenvolvimento sustentável, além das definições, é uma utopia em construção que precisa de debate sério e sem maniqueísmos. Precisamos pensar nosso território para que nele se abriguem plantas, bichos (incluindo a nós, bichos pensantes), todas as formas do sagrado mas também commodities. Precisamos transcender a falsa oposição entre desenvolvimento e conservação de qualquer forma, pois a população cresce, as economias crescem (apesar de crises), a pegada ecológica dos seres humanas também cresce, bem como as taxas de extinção, a área desmatada, o consumo enfim. Vamos ter que nos deparar com esses problemas cedo ou tarde e as condicionantes ambientais permearão em breve todas as atividades humanas, sem exceção e não será por respeito à sagrada natureza nem à imagem de bons selvagens dos Índios do Brasil. Espero poder viver para ver nossa sociedade com um nível de maturidade digno de sua diversidade e beleza.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

automedicação

As palavras sempre foram para mim atrativas e agora as descubro terapêuticas. E tenho meus métodos de automedicação via palavras.
Minha auto-anamnese é enfrentar o branco da página vazia com o obscuro da mente. Dessa batalha emergem causas e motivos de porque escrever. A prescrição é quase sempre a mesma: um encontro solitário entre eu e eu mesmo mediado pelas revoltas palavras. E assim, ao escrever meio sem tempo, meio sem saco, quase sem vontade... borro o branco da página e dissipo a escuridão da mente.



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Jogral

Escutar é aceitar, é passivo
Calar-se é violar, contra o ímpeto
Falar é atirar, é preciso
Amar é arriscar, é definitivo.

Ei de escutar, definitivo
Calar-me, passivo
Falar, contra o ímpeto
De amar, preciso.

Impetuosamente, calarei
Passivo, falarei
Em definitivo, escutarei
Precisamente amarei.

Defino, desejo, futuro.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Projetos de vida e suas reminiscêcnias

           As reminiscências do passado quase sempre tornam o presente cheio de ruídos que de tão constantes e chatos a gente termina esquecendo deles (assim com barulho de trânsito). É como aquela "mosquinha" da vista... está sempre lá mas esquecemos dela. Pois bem, sinto que cada projeto de vida que fiz no passado deixou uma interferência no meu presente que vez por outra me dou conta. Mas como quase todos os projetos, eles tem começo, meio e fim. Na academia sabemos, tanto os que escrevem quanto os que avaliam, que projetos são projeções que na melhor das hipóteses se realiza em parte. Assim são os projetos de vida que pensamos e que com sorte realizamos em parte e conseguimos ser uma sombra daquilo que projetávamos. O que sobra do não realizado se torna uma saudade do que não foi ou uma frustração danada, que permanece, e disso não podemos fugir. Vira ruído, mosquinha, interferência (como aquelas de televisão).
               Ajudar a gente a lidar com essas coisas é geralmente o ganha-pão dos terapeutas, pois eles são especialistas em nos mostrar que esses ruídos existem quando a gente já tinha se esquecido deles ou acostumado com eles. Sem traumas e frustrações com pai, mãe, infância... terapia seria tão inútil quanto os atacantes do Santa Cruz. Sem os resquícios de projetos inconclusos de vida a zumbir em nossa mente, pra quê procurar uma terapia e ficar falando do passado.
            Devíamos aprender a fazer projetos como nos ensinam, ou aprendemos a pulso na pós-ggraduação. Projetos têm que ser factíveis, com começo, meio e fim, mas sobretudo devem servir de base para pavimentar grandes idéias que amadurecem depois de anos. Ah, se fosse assim tão fácil para a vida! Outra característica fundamental para projetos de vida deveria ser que eles devem ser curtos pois como diria algum amigo meu: "não há Prozac que dure mais de dois anos". Isso permite que novos projetos sejam desenhados à partir dos acertos e erros dos anteriores. Mas claro, a vida não é uma equação exata assim, um modelo de gestão para a vida não serve de porra nenhuma. Mas uma coisa é certa, os ruídos, zumbidos e interferências podem ser minimizados se aceitamos que a validade dos projetos de vida também é finita.
          Porque carambolas devo seguir com escolhas que fiz há anos e que já nem sei se quero seguir com elas? Porque não me permito abandonar projetos fracassados de vida, tão comuns quando contabilizamos nosso tempo pretérito? Admitir uma derrota própria, íntima pode se tornar mais ruído, mas também pode finalmente e de uma vez por todas acabar com reminiscências anacrônicas que já não servem para nada. Já não fui aquele que pensei que seria quando tinha 8, 14, 18, 25, talvez até 30 anos (tenho 32). Mas deveria?

Projeto de longa duração, inacabado eternamente, isso sim.