terça-feira, 22 de novembro de 2011

Conservar ou desenvolver? Eis a falsa questão que domina os debates sobre Belo Monte.


É sempre salutar um bom debate sobre o desenvolvimento de um país, sobretudo se esse país é o Brasil. Não por ser meu lar, mas porque aqui no Brasil os debates públicos costumam receber uma boa "mão de tinta" da imprensa conservadora que se esforça para definir de maneira maniqueísta os dois lados do debate. Pois bem, quando esse debate envolve questões ambientais que estão em conflito aparente com o desenvolvimento os argumentos quase sempre são impressionantemente equivocados.

Assim como a maioria dos debates ambientais, a argumentação acerca de Belo Monte divide opiniões entre: ambientalistas e desenvolvimentistas pois assim fica fácil polarizar e ventilar o debate. Os argumentos ambientalistas quase sempre são em favor da sacralidade da natureza, inclua-se aí os Índios, que têm sido usados como bode expiatório para dar base de apoio àqueles que são contra a construção dessa UHE. Pergunto-me porque os ativistas de internet tão preocupados com os Índios não fizeram abaixo-assinado pela criação da Raposa-Terra do Sol. O sagrado contido na nossa visão da natureza, não dá pra negar, é um valor arraigado em nossa sociedade. Ninguém em sã consciência defende que se trate a natureza com desdém, como ninguém advoga pelo desenvolvimento predatório. Construir um monstro gerador de energia elétrica na volta grande do Xingu num lugar chamado Belo Monte só pode ser portanto alguma artimanha dos demônios que obsessivamente ocupam os corpos dos nossos políticos e querem acabar com a "obra divina" da natureza. Ainda mais se nesse pedaço de natureza existem Índios, afinal eles são pessoas como todos os ativistas do facebook cujos copos de indignação já estão esborrando por mais essa gota d'água. Desta forma, o argumento anti-UHE Belo Monte ganha ares humanitários, qualidade que obviamente todos queremos (ou queremos ter). Quando um discurso assim, recebe uma conta monetária que será paga por empréstimos do BNDES então atinge a indignação, que por definição precisa ter alvo e esse é o governo. Dessa forma um discurso supostamente ambientalista (que é do bem, claro) ganha ares humanitários e de responsabilidade com o dinheiro público. Perfeito, imbatível, quem ousa ser contra?

Do lado desenvolvimentista, os argumentos giram em torno do tecnicismo e importância social. Pode-se recorrer à inúmeras estatísticas e fatos que advogam pela necessidade e viabilidade técnica da UHE Belo Monte. Sua eficiência altíssima (sim, porque é realmente altíssima a geração de MW/h pelo tamanho do lago), a necessidade energética do país que cresce acima da média do mundo (https://ben.epe.gov.br/) e isso não é exclusividade do Brasil, mas dos BRICS como um todo. Dá pra ser diferente? Não mesmo, porque para se ter emprego, dinheiro, economia moendo (leia-se coisas sendo fabricadas e gente comprando essas coisas) precisamos de energia em abundância e barata, o governo sabe disso. Agora, aqueles que defendem a UHE Belo Monte se excedem ridiculamente no maniqueísmo neoimperialista, sugerindo que toda a campanha contra a UHE Belo Monte é uma artimanha também de demônios incorporados em ambientalistas internacionais e ONGs que manipulam os bem intencionados artistas globais e seus telespectadores inocentes.

Assim se repete cada debate no Brasil, como as questões relativas ao aborto, legalização das drogas, ocupação da reitoria da USP, etc, etc, etc. São debates que giram em torno de argumentos como má intenção, catástrofe, cinismo e por aí vai. É sempre o bem contra o mal, sem as verdades de cada lado.

A UHE Belo Monte é uma realidade distante de mim e da maioria dos brasileiros que estão facebookianamente engajados na luta contra essa obra. Mas um ponto crucial precisa ser posto na mesa e tem talvez sido deliberadamente evitado por ambas partes. Precisamos planejar nosso território, sua ocupação, sua conservação e seu uso e exploração. A Amazônia é talvez a única região do Brasil onde nossas experiências de ocupação e uso do território ainda possam ser planejadas desde o início (excluindo-se os quase 25% já perdidos para o desenvolvimento predatório, por falta de ativistas facebookianos, certamente), porque no restante do nosso território já cometemos todos os erros que podíamos, e até nos excedemos. Basta ver nossas cidades, a Mata Atlântica reduzida a míseros 11%, fragmentados e sob constante ameaça, a Caatinga e seus homens e mulheres, abandonados à própria sorte e desertificação. O Cerrado já virou, quase todo, um grande campo de soja, que alimenta os porcos da China (cujo rebanho aumenta fortemente) mas mantém nossa balança comercial no verde. O novo código florestal não ganhou tanta repercussão, apesar de influenciar de maneira infinitamente maior o nosso futuro como país. Será porque os artistas globais e ativistas de internet não entendem os porquês? Não há informação disponível sobre isso? Sim, há, inclusive artistas gostosas e galãs de malhação estão engajados (http://www.florestafazadiferenca.com.br/home/). Até a globo está engajada, na alteração do código claro. Inclusive está fazendo uma série de reportagens sobre o assunto no JN essa semana. A primeira já falou que o código atual precisa de mudanças porque é velho. Pois é, a proibição da maconha também é velha, mas ninguém usa esses argumentos.

E para não parecer que estou "encima do muro", sou a favor da construção da UHE Belo Monte, porque acho que ela pode ser um exemplo de como o desenvolvimento pode ser conciliado com a o sentimento de sacralidade da natureza. Será um desafio para nossa sociedade e ciência, construir uma usina que tem uma das menores razões km²/MW gerado, apenas 0,05. Fazê-lo respeitando todas as condicionantes ambientais e sociais e finalmente servir como exemplo de UHE na Amazônia, diferente do desastre que é a UHE de Balbina no Amazonas.

Desenvolvimento sustentável, além das definições, é uma utopia em construção que precisa de debate sério e sem maniqueísmos. Precisamos pensar nosso território para que nele se abriguem plantas, bichos (incluindo a nós, bichos pensantes), todas as formas do sagrado mas também commodities. Precisamos transcender a falsa oposição entre desenvolvimento e conservação de qualquer forma, pois a população cresce, as economias crescem (apesar de crises), a pegada ecológica dos seres humanas também cresce, bem como as taxas de extinção, a área desmatada, o consumo enfim. Vamos ter que nos deparar com esses problemas cedo ou tarde e as condicionantes ambientais permearão em breve todas as atividades humanas, sem exceção e não será por respeito à sagrada natureza nem à imagem de bons selvagens dos Índios do Brasil. Espero poder viver para ver nossa sociedade com um nível de maturidade digno de sua diversidade e beleza.

2 comentários:

  1. esse comentário tá dividido em dois textos, por limitação do tamanho do comentário

    Camarão, meu amigo, antes de mais nada, é muito massa te ver escrevendo essas coisas. Ainda consigo pensar no passado, quando tratávamos "esses assuntos" em discussões muito produtivas!
    Vou fazer alguns comentários sobre teu texto e sobre alguns pontos que envolvem a questão (evidentemente, na minha visão - vou colocar esse comentário no facebook também).

    Sabe aquela história, "o sábio aponta pra lua e o idiota olha pro dedo" ? Pois é, pelo visto, o ponto nevrálgico, não é a usina em si, e sim, os objetivos e formas como tudo está sendo conduzido.

    Claro que a obra é viável, em termos técnicos e financeiros.
    Também não acho importante discutir pra onde vai a energia... que se dane, se ela vai virar alumínio ou chapas de ferro. O que importa é: precisamos dessa energia toda?
    Se for pra gerar tecnologia nacional, manter as ações controladas e não ficar sob a pressão externa, principalmente quando encenamos novamente o teatrinho da metrópole e colônia, ai sim... vamos pensar em construir. Se for pra gerar condições de continuarmos exaurindo o que há por aqui, seja natureza, seja gente, sejam boas idéias... cancela tudo!

    Dentro dessa questão da geração de energia na Amazônia, poderíamos pensar em quantos tantos disso tudo, ficará pro povo que mora na floresta, e depende dela. Nesse caso, alterar o regime da floresta, vai alterar a vida daqueles que vivem dela.
    A reclamação de que nada será feito pelos moradores da região, tem seus porquês... historicamente, alguns empreendimentos foram feitos, com promessas de desenvolvimento e melhoria da vida das comunidades locais, o que só acontece em exemplos raros.
    Na maioria das histórias, os erros de acumulam, e fazem as populações locais sofrerem bastante.
    Uma outra coisa, se é pra fazer pelas comunidades locais, por que esperar pela construção de um troço que vai gastar alguns bilhões de reais? Por que, não criamos um plano de manutenção dessas comunidades, de modo positivo, seja ele econômico, social, ambiental, etc, etc, etc. Em alguns pontos da Amazônia, ainda opera o lógica da bala. Por que não acabamos com isso... (um cara que defende a floresta em pé, tá sujeito a levar um tiro...).

    A maior parte das comunidades que vive da floresta, e que cuida dela, ainda vive sem energia elétrica. Será que Belo Monte vai mudar isso? Acho difícil.
    Por que não usamos uma parte desses bilhões, e criamos/desenvolvemos métodos de eletrificar a casa dos ribeirinhos, ou até colocar uma fonte de comunicação em suas comunidades (essas formas de comunicação mais eficientes, podem ajudar a salvar vidas, sejam de gente, de plantas, de onças, etc). Enfim, acho que, nos moldes que estamos vendo, as comunidades locais só vão perder.

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  2. Apesar de não curtir esses rostinhos bonitinhos, fazendo campanha paga, sobre coisas que eles nem fazem idéia, tem uma frase no texto, que achei a mais foda de toda: "você já foi à Amazônia?" (acho a frase errada, pelo simples fato de não existir A Amazônia, e sim, AS Amazônias). Só vindo pra cá, pra saber o que isso significa... só, andando pela floresta, e vendo suas relações, sua gente, comendo as comidas, conhecendo as histórias, pra ter idéia do que isso aqui é, ou, que são. De fato, existem várias Amazônias... sugiro de virem conhecer.
    Ainda não conheço a Amazônia lá do lado de Belo Monte, mas, tudo dando certo, vou morar lá no ano que vem, e vou poder falar um pouco melhor como tudo funciona. Num dá pra falar da Amazônia, estando a 3000 km de distância.
    Apesar de morar aqui a pouco tempo, dá pra conhecer algumas coisas, como o caso Raposa Serra do Sol. Foi uma idéia muito boa, mas a execução num foi tão boa.... gerou um baita dano social, principalmente pros índios. Num dá pra apontar no alvo e atirar, sem pensar no que isso pode gerar. No caso da Raposa, acertaram o alvo, porém, os estilhaços voaram longe. Depois posso explicar melhor o que rolou aqui em Roraima.
    Ah, só mais uma coisa, e talvez a mais importante. Se, eu tivesse vivendo no mesmo lugar, que minha família mora a 300 anos, ficaria muito puto, se alguém chegasse me tirando da minha terra, em prol do desenvolvimento... seria de lascar. Nós, urbanos, universitários, e cheios de outros adjetivos, nunca, nunca mesmo, conseguiremos entender a situação das comunidades da Amazônia, se não viermos nos fazer parte dessas comunidades.

    Concordo sim, campanhas de falácia são foda (como essa dos globais e facebook), e fico puto com isso (até porque, dá uma idéia errada do que realmente rola). Mesmo assim, acredito que devemos discutir a questão de modo mais aprofundado, e seriamente possível. Ah, só um detalhe... o código florestal, independentemente do que esteja escrito, não funciona pra algumas das Amazônias - pelo menos, não as daqui de Roraima!

    Camarão, só pra deixar claro. Sou contra a Usina!

    Te procuro antes do carnaval, pra conversarmos.
    Grande abraço meu amigo.
    Suino ;)

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