segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Tony “El Tigrero”

Na vida nos deparamos com muitos personagens marcantes, gente de outro mundo, de outros hábitos, de outras idéias. Nas minhas andanças de biólogo, tive a sorte de conhecer pessoas muito interessantes: homens do campo, homens da mata, crianças espevitadas, mulheres de olhares distantes e caçadores e suas histórias.
Tony “O Tigrero” é uma figura dessas, um homem de meia idade, que já caçou segundo suas contas: 284 onças-pintadas, umas 100 suçuaranas (onças pardas), outras dezenas de veados, porcos-do-mato, cabritos monteses da América do Norte, antílopes da África, codornas e faisões de sei lá onde mais. Um homem que dedicou toda uma vida a caçar e caçar, sempre com seus cachorros de raça black and tan. Esse sujeito hoje se dedica paradoxalmente à conservação da onça-pintada, ou tigre como dizem os mexicanos da Selva Maya do México num projeto em parceria com meu orientador da UNAM.
Seu nome é Antonio Rivera, filho de um ex-dono da filial mexicana produtora de “água preta do capitalismo”, a coca-cola. Nasceu em berço de ouro multi-milhionário segundo suas próprias palavras. Quando adolescente caçava codornas e faisões com seus cachorros como um passatempo de rico a la inglêsa que sai a caçar raposas com cavalos e cachorros. Tocava numa banda de rock do México até seus 19 anos, estudou nos EUA como todo bom filho de mexicano rico. Manejo de fauna silvestre era o nome da graduação na Universidade de Montana, alí conheceu a um monte de caçadores gringos e pegou gosto pela coisa que aos poucos passou de ser um passatempo a uma atividade constante. Como era rico, podia dedicar-se a essas “pendejadas” (idiotices) como ele diz. Dedicou tanto tempo a isso que não terminou seu curso lá na gringolândia e voltou ao México para vender caçaria de onça-pintada a gente rica que lhe pagava 10 mil dólares pra que ele possibilitasse a um comum executivo de bolsa de valores a emoção de caçar um bicho brabo desses no meio de uma floresta virgem do México.
Assim viveu por 30 anos, caçando em média 20 bichos desses por ano e tirando livres de imposto uns 200 a 300 mil dólares por ano, continuava rico caçando onça. Segundo ele de todos os bichos que ele caçou, apenas 6 morreram por disparos dele. Cinco onças quando amigos fazendeiros seus lhe pediam que ele matasse a uma gato que andava comendo bezerros nas suas terras. A única onça-pintada que ele matou por gosto foi na Bolívia, onde se sabe que como no Pantanal mato-grossense habitam as maiores onças-pintadas do mundo, uns felinos com 120 kg e toda a beleza que a evolução lhes brindou. Todos os outros animais eram mortos pelos gringos que o contratavam para acompanhar-los na floresta, procurar, perseguir e encurralar a onça com os cachorros para que os gringos dessem o tiro no bicho e posassem para fotos com os cadáveres das bestas. Em 94 se proibiu a caça de onças no México e ele já não sabia fazer outra coisa mais que caçar onça. Faliu, hoje mora numa modesta casinha alugada em Chetumal.
A única saída que encontrou para continuar “caçando” foi trabalhar para a conservação da onça-pintada na Selva Maya que abarca todo o sul do México, Belize, Guatemala, e parte de Honduras e El Salvador. Sua função no projeto de conservação do maior predador da Floresta Tropical americana vai desde a elaboração do plano inicial, contatos, procura de fontes de financiamento até a mão na massa. Na verdade a mão na massa é a sua razão nisso tudo. Ele segue caçando onças com seus cachorros e seu rifle, mas desta vez pra colocar colares de telemetria nos bichos que serviram pra estudar seu movimento dentro da floresta, estimar sua densidade e preferência de habitats. Com isso esse sujeito é feliz.
Escutar Tony O Tigrero falar de suas caçarias, de suas andanças, de seus tigres é escutar uma mãe coruja falar de seu mais genial rebento. Minha reação de biólogo ao ver as suas fotos com centenas de onças mortas foi de espanto. Mas tenho que confessar que senti um pouco de inveja dele também. Por alguns minutos enquanto folheava seus álbuns com as fotos dos cadáveres de onça e sorrisos dos gringos que as mataram, imaginei como seria estar em caçarias de onça, 3 ou 4 pessoas e uns 5 ou 6 cachorros bem treinados. Encontrar um rastro de um bicho daqueles depois de horas caminhando pela mata fechada, abrindo caminho a facão. Logo soltar os cachorros a procurá-los por mais algumas horas, correr atrás dos cães loucos e encontrar um bicho brigando e esturrando me pareceu algo emocionante. É a emoção de caçar, que naturalmente trazemos no DNA de caçadores que sempre fomos. Comecei a me lembrar de quando era pirralho e caçava passarinhos e lagartixas nas ruas do então semi-selvagem Engenho do Meio. Lembrei da emoção que sentia quando conseguia matar a um pardal, lembrei das vezes em que me acordei cedo pra ir pegar passarinho no matagal do clube da Sudene com a esperança de cair alguma patativa ou papa-capim no meu alçapão. Lembrei das malvadezas que fizemos eu e meus primos André e Fernando em Maceió quando decidimos todos os gatos da vizinhança da casa de minha tia deviam pagar porque um deles havia comido um passarinho engaiolado nosso. Construímos bodoques potentes e saímos a caçar gatos. Sem falar nas pescarias e mergulhos pra pegar qualquer peixinho minúsculo em Porto de Galinhas. Não faz 6 meses, Marina testemunhou minhas tentativas constantes e perseverantes de pescar um peixão numa prainha por onde passamos de viagem aqui no México. Dois dias inteiros e nem um peixe, mas a cada lance do anzol, minha esperança renascia. É bom demais caçar qualquer coisa. Perdão pela sinceridade, e pelo politicamente incorreto, mas caçar é realmente humano.

2 comentários:

  1. Grande Felipe,

    quer dizer que você tem genes de caçador?! Cacetada, sai de baixo! Jamais vou te enfezar. Confesso que fiz uma auto-inspeção genômica e descobri, embora não tenha sido, convenhamos, uma supresa, que meus genes são uma herança dos mamíferos desdentados, bradipodídeos e arborícolas - Darwin explica?!

    Valeu pelo texto, está muito bom. Como amador da biologia (tenho formação médica), ainda farei muitas perguntas...

    Abração

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  2. olá, felipão! muito massa esse texto, cara! gostei muito mesmo!

    ó! soube que cê tá aqui no recife! procede? caso sim, vamos marcar uma cachaça no baracho, meu velho!

    abração! ;)

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