quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O tribunal das chuvas e o suicídio coletivo de baleias



Por causa da chuva morreram mais de 270 pessoas no estado do Rio Janeiro ontem. São Paulo está debaixo d’água há dias e como num dejavú o filme do caos se projeta diante da nação brasileira, novamente. Numa reação bastante humana, procuram-se culpados por tal tragédia e logo encontram. São as chuvas, claro, que impressionantemente caíram na quantidade esperada para um mês em apenas 24 horas, isso encharcou a terra, cedeu o terreno e no meio de caminho que a lama tomou havia casas. Tudo isso bem documentado, demonstrado e provado através de moças bonitas que explicam o “fenômeno” meteorológico munidas de animações computadorizadas na televisão. Calamidade, tragédia, ninguém pode com a natureza que oficialmente agora é ré nesse processo, acusada de ter chovido demais em lugares pouco apropriados. Mas esse crime teve co-autores e só pôde acontecer com a omissão consentida dos governos (em todos os níveis). Não é preciso ter estudado muita geologia para saber que os lugares de risco são aqueles nas encostas íngremes, quase sempre sem vegetação, mas também com esta. Em sua defesa, pois este réu pode se defender, se decreta estado de calamidade pública e se instala gabinete especial de tragédia (qualquer semelhança com Pernambuco não é mera coincidência). Sua principal defesa é culpar a prática histórica de omissão dos governos anteriores e sugerir outro culpado, o povo, que ocupa irregularmente os locais de risco. Então temos outro réu, que é ao mesmo tempo a vítima. Mas nunca houve política habitacional no Brasil e planejamento urbano é palavrão de acadêmicos. Antigamente a prática comum era culpar a natureza, mas agora essa tem álibis, são eles: o aquecimento global, o assoreamento dos rios, o desmatamento e ocupação das áreas de preservação permanente como encostas e beiras de rio. Portanto, nesse processo ninguém pode ser culpado e talvez por isso a cada ano a tragédia se repita e cada vez mais se pareça com um suicídio coletivo, como aqueles praticados por espécies de baleias que encalham voluntariamente nas praias até morrerem. Em tempo, vale lembrar que o Recife há anos sofria muito com deslizamentos e a cada inverno nosso as mortes eram certas. Aqui, foi feito parte da tarefa de casa e foram mapeadas as áreas de risco e medidas preventivas reduziram a quase zero as mortes por deslizamentos em nossa capital.

Um comentário:

  1. Tamos aí, já fiz propraganda do seu blogue no Facebook e orkut... pode até não bombar, mas talvez 2 dos meus 3,2 leitores possam vez por outra passar por aqui!
    Sobre seu texto eu acho que a gente tem uma dificuldade enorme com a palavra responsabilidade por aqui(Brasil). De quem é a culpa é uma pergunta que nós parecemos não querer fazer em quase nenhuma ocasião. Como prever o imprevisível? É gritante uma tendencia nossa a ofuscar o valor da previsibilidade de certos eventos condenando a frieza da ciência positivista e preditiva. Seria blasfemia e heresia se apoiar na ciência arrogante que acha que tupo pode controlar com seus protocolos e procedimentos. Nós brasileiros acreditamos mesmo é em Deus, e uma tragédia como essa só pode ser explicada como um "acidente" da natureza.Como sociólogo não poderia estar generalizando as coisas dessa forma, dizendo que "nós brasileiros pensamos dessa forma". É claro que estou falando aqui das reações espontâneas e midiáticas dos políticos que imputavam alguma culpa ao passado ou ao desígnio dos céus. E mesmo que apontassem com o dedo o problema em seu cerne (Dilma falou claramente na falta de política de habitação), a ideia de assumir a responsabilidade pela tragédia passou longe da retórica de todos. A imagem das baleias me pareceu boa metáfora por uma razão: nosso descaso coletivo é suicida e deveria nos deixar alertas quanto às limitações obtusas de nossa crença (também coletiva) na nova sociedade brasileira, cheia de otimismo e crescimento. Votei na continuidade do governo Lula e acredito que houve avanços importantes no país. Vejo, porém, no otimismo atual uma cegueira insistente às nossas mazelas... dentre elas essa dificuldade assombrosa de dizer que somos responsáveis por nossas fraquezas assumindo o peso de nossos atos e omissões. Bem, acho que já comentei demais! Abraço.

    ResponderExcluir