O medo, esse vento que sopra forte. Lembro-me de alguns os meus medos, de como eles se manifestavam, de como eles mudavam, de como desapareciam de repente. Quando criança, acampando em Maracaípe, tinha medo das ondas do mar quando estavam muito fortes. Levei alguns sarrabulhos meio violentos, desses que nem sabia onde era encima nem embaixo. Mas curiosamente nunca desisti de entrar no mar com ondas, surfava com minha pranchinha. Não era o caso de que já não tinha medo, ele por vezes vinha, eu o sentia forte. Mas dependia de mim. A escolha era fácil, entrar no mar ou não, sem muitas conseqüências de qualquer decisão que tomasse.
O medo atualmente mais freqüente é o de dar rumo a minha vida. Que coisa difícil essa de ser responsável de si! Porra, com 20 e poucos anos eu às vezes queria estar empregado numa empresa qualquer, que me dessem ordens, que eu não fosse responsável de mais nada além de chegar na hora ao trabalho. Às vezes invejo quem ainda vive com os pais, que tem casa, comida, um quarto. Sim um quarto, esse mundinho que de tão pequeno é tão fácil controlar. Porra, pra que fui inventar de estudar biologia, de seguir carreira de cientista, de estudar infinitamente, de pensar sozinho, de não receber nem dar ordens. Por quê caralho fui sair do meus país, da comodidade dos amigos, da família, do Recife, fedorento útero onde facilmente me escondia? Ai, ai, que saudade de não ser responsável por quase nada.
Mas inevitavelmente eu estou aqui, no outro hemisfério, na outra América, ao norte da vida. Em poucos anos, eu estou casado, com um filho, fazendo um doutorado de maneira quase autodidata. Hoje acordei com medo, reconheço. Estou de saída ao campo para 16 dias de trabalho. Coletar dados de um projeto que eu pensei só, consegui financiar só, dados que terei que digerir só, escrever só. Queria agora voltar à escola, fazer o dever-de-casa e passar de ano, sem mais.
Mas a vida às vezes é “cabrona” e a oportunidade que estar aqui, no México, me exige que eu cresça rápido, sim rápido, muito rápido. Um projeto de doutorado parido sem parteira, e que cresceu sem mãe, de repente quer crescer e rápido, como tudo aqui pra mim. Falta pouco mais de um ano de bolsa, uma tese inteira que escrever, alguns dados que coletar, muitas coisas que ler e aprender. Isso me dá medo, medo de não resultar como eu imaginava. Sinto-me como uma mãe adolescente, que quando grávida até causava inveja entre suas amigas pela barriga linda, pela vida que gerava tão cedo, por ser mulher precocemente. Mas logo que nasce o rebento, sente o peso de ter sido mãe tão cedo e inveja as amigas porque apenas começaram a beijar na boca. Começo a pensar, se eu tivesse feito daquela tal maneira, teria sido melhor, blá, blá, blá. O medo é como um dedo naquela ferida velha e incurável de ser só, essa condição inevitável e por vezes até indesejável.
Meu único consolo frente a essa condição é, paradoxalmente, o de descobrir as coisas da vida e de um doutorado, por mim, só. É dessa batalha comigo mesmo que me alimento todos os dias. Só mesmo sendo psicólogo pra entender isso, e olhe lá. Sei que esse medo, que acho que no fundo é de mim mesmo, vem, vai embora e vai voltar novamente. Mas quando penso que me acostumei com isso, errado. O medo às vezes sopra forte na minha cara e não me acostumo.