Entre gostar da natureza, estudar biologia e fazer conservação vai uma distância um pouco grande e complicada de recorrer. Os serviços ambientais prestados gratuitamente pela natureza a nós seres humanos se vêm ameaçados por práticas de “desenvolvimento” predatórias e ineficazes. Por outro lado os que tentam alertar o mundo sobre as conseqüências catastróficas de nosso modelo de vida, são tachados de anti-desenvolvimentistas e “verdinhos” que amam as baleias. Eu sou um verdinho que ama as baleias. Quando penso que a evolução gerou um mamífero de dezenas de metros de comprimento e algumas toneladas, que viaja milhares de kilômetros para comer, e outros milhares para transar e ter filhos. Que se move indiferente, nadando ao lado de barcos que os caçam, quando poderiam submergir e desaparecer por horas; consigo ver algo de mágico, de admirável, e por que não, apaixonante nesses bichos.
Na verdade creio que esse é o problema, já não se vê nada de mágico na natureza. O racionalismo iluminista com seu afã de explicar, compreender, ter sob controle da razão tudo que há no mundo, extirpou de qualquer significado ontológico as coisas vivas e não vivas. Atribuir valor econômico é a regra. As florestas, as águas, o solo, o ar, as baleias... tudo tem seu valor econômico. Recorde-se que comecei essa reflexão falando dos serviços ambientais que a natureza nos presta gratuitamente. As florestas mantêm o clima da terra estável, evitam inundações, captam o carbono que emitimos toda vez que respiramos ou que andamos de ônibus. As águas irrigam as plantações que nos alimentam, sem falar das espécies em geral, que mesmo sem a gente saber mantém em ordem os ecossistemas que nos prestam gratuitamente esses serviços. Pois é, entre os conservacionistas, a estratégia agora é convencer a sociedade através dos serviços ambientais prestados pelas áreas naturais. Dessa maneira se fazem cálculos de quanto se gastaria por exemplo, para tratar toda a água de Nova Iorque, que há algum tempo atrás estava bastante contaminada por coliformes fecais (cocô mesmo). Construir uma rede complexa de tratamento de água sairia caríssimo e complicado. Por outro lado, quanto se gastaria em reflorestar toda a bacia que abastece essa cidade e desapropriar algumas fazendas de gado ribeirinhas? Evidentemente saiu muito mais barato reflorestar a área e deixar que a natureza fizesse seu papel purificando a água “gratuitamente”. Hoje Nova Iorque, apesar do tamanho, tem uma das águas mais limpas do mundo. Quanto se gastaria em irrigar todas as lavouras de soja do Brasil central? Não quero nem pensar, mas as chuvas provenientes da evapotranspiração da Amazônia o fazem “de graça”. O Rio Amazonas é tão forte que desvia uma corrente marinha tropical até a Europa, por isso, em mesmas latitudes na América do Norte, aonde não chega corrente marinha tropical nenhuma, as temperaturas são muito mais baixas (vide os invernos canadenses). Quanto custaria aos europeus uma mudança climática? Dá até medo pensar!
Dessa maneira, até os conservacionistas que amam as baleias, contribuem com a valoração econômica da natureza. É uma guerra desleal, não há muito tempo para reeducar as pessoas a verem o mundo natural, esse espectro há muito separado do real, de maneira mais... mística. O valor natural das coisas vivas e não vivas não está contemplado nos modelos que agora explicam a realidade. O racionalismo moderno vê o mundo através de modelos matemáticos, teóricos, econômicos, que pela própria idiossincrasia dos modelos, têm que ser simples e parcimoniosos. Quem estuda alguma ciência exata sabe do que estou falando. Modelos têm que ser simples e explicativos. A racionalidade se apropriou da natureza, do seu valor intrínseco, até mesmo da sua magia. Assim fomos educados, “utilitarizando” tudo ao nosso redor. E já que tudo tem seu valor (econômico), exploramos predatoriamente o que seja, até as minhocas, até as abelhas. Sim, e não estou falando de mel não, estou falando de empresas contratadas para levar alguns caminhões carregados de colméias a uma plantação de qualquer coisa e solta-las aí por alguns dias para que façam o trabalho de polinizar as plantas. É sim, o feijãozinho gostoso do almoço foi produzido por polinização. Mas em alguns lugares do mundo as abelhinhas nativas estão sendo extintas pelos pesticidas. E sem abelhinha não há feijão.
Não sou dos neo-hippies que querem voltar a plantar o que comem, não me importo em comprar meu feijão no supermercado. Mas sinto um prazer muito grande em passear por uma floresta, em trabalhar nela também. Acho que as espécies têm seu direito inerente de existir, consigo admirar e porque não adorar a uma sapucaia de 50 metros de altura e com certeza algumas centenas de anos (no mínimo). Vejo algo de místico em andar de barco pelo Amazonas e não ver margem de ambos os lados. Não quero educar aos meus filhos para que olhem para uma floresta e vejam “serviços ambientais gratuitos”. Prefiro que vejam uma árvore velha, que é testemunha de eras e eras, como os Ents de Tolkien. Que vejam um rio-mar, que guarda coisas inimagináveis embaixo de suas águas. Que vejam uma baleia como uma criatura realmente amável, tão grande e tão inofensiva. Mas enquanto não se educa crianças assim, somos forçados a falar economês, a fazer cálculos de “serviços ambientais gratuitos”, a vender créditos de emissão de carbono ao primeiro-mundo industrializado. Quem sabe assim, nos sobre algo do que reapropriar-se para dar um sentido outro qualquer, deificar, desfrutar, contemplar, dar nenhum sentido que não o de um mesmo.